"Discos incrivelmente estranhos e bizarros"

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Fascínio. Obsessão. Falta do que fazer. Algum fio solto na minha cabeça latejante. E ainda por cima uma vontade de viajar, trabalhar, empreender o maior esforço possível... no que tivesse a menor importância possível. 

Não sei o que me fez perseguir Mo' Desmod. Logo Mo', um obscuro músico, catapultado para o ostracismo. Quase um ninguém. Não fosse ter deixado uma marca, uma prova de que viveu. Uma estranha, inquietante marca: um álbum. 

Eu "descobri" Mo' Desmond quando tropecei na internet com o LP "Desmond-Pepper Project: music for colliding spheres". Preciso informar que o site em questão chamava-se "Incredibly strange & bizarre records" e o disco estrava listado entre "Guerra entre os gordos e os magros da banda de harpa de boca de Harvey Matusow" (juro por deus), e "O que a Bíblia tem a dizer sobre os discos-voadores" (idem). Eu estava, portanto, à procura do bizarro. Mas cheguei além: ao transcendente. 

Daquele site dos discos-incrivelmente-estranhos-&-bizarros cliquei em busca de mais informações (ou de uma mínima explicação). O que encontrei foi uma comunidade de internautas atônitos, algumas teorias exotéricas, especulações e pasmo. E um link para ouvir. 

Ou quase. A primeira faixa era quase completamente silenciosa. Tirando os estalos de uma velha agulha, não há nada. São excruciantes 3"16' de silêncio, até que, como que para compensar o vácuo, uma rajada de semínimas caóticas em trompete. 

Quanto menos eu entendia o disco de Mo', mais eu queria conhecê-lo. Exauridas as buscas na internet, corri para as estantes. 

Não encontrei sequer uma vírgula sobre minha obsessão  em nenhuma das 25.000 páginas do "The New Grove Dictionary of Music and Musicians". Também nada encontrei nos 3 volumes do mais específico "The New Grove Dictionary of Jazz". Mo' Desmond destaca-se por sua ausência também no "Oxford Companion to Jazz". Mo' teria mesmo existido?

Achei.

"Perdue."

O "Penguin Guide to Jazz Recordings", na edição de 1973, fala de um certo "Maurice Perdue" que teria uma participação não creditada em um disco de Lennie Tristano. Esse senhor Maurice Perdue é aquele que, em seguida, encurtou o nome para "Mo'" e obliterou o sobrenome, em favor do nome do meio, "Desmond" — Mo' Desmond, Mon Monde, Maior do Mundo, Meu desmundo.

A página 258 provava que existiu Mo' Desmond, e ainda trazia mesmo uma foto — um canto de uma foto. Os pontos enormes do cliché que ocupavam a diminuta polegada quadrada da imagem deixavam a maior parte do trabalho descritivo à imaginação do leitor e eu imagino que Desmond era um sujeito empertigado. Mulato ou negro claro a ponto de ser possível discernir suas feições (outro retrato na mesma página de um cantor mais negro era um borrão com olhos e dentes). Tinha o cabelo liso ou alisado, uma mecha meticulosa sobre a testa. Lembrava um Nat King Cole pálido e contrariado. Ou um gêmeo malvado do Cab Calloway. Mesmo naquele cantinho de página, parecia olhar o leitor de alto a baixo. Não era sua melhor fotografia, suponho (e isso considerando que as outras únicas duas fotos que encontrei são mug-shots de delegacia).

O Penguin Guid informa que Desmond/Perdue foi considerado "a frente de seu tempo", um "experimentador radical" e, mais frequentemente, "um alucinado". O livro registra algumas participações de Mo' em discos de Joe Pass e Art Pepper nos anos 1960, ocasionais "dificuldades" com a justiça por conta de drogas, e que não se tem notícias para onde foi daí. Tampouco se sabe de onde veio.

Para mim, Mo' não veio. Passou a existir quando entrou no número 168 da rua East 32nd. A casa/estúdio de Lennie Tristano... 

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(No próximo capítulo, o pianista cego e o trompetista bruto)



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