CAPÍTULO UM

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Eu abri os meus olhos. Estava em uma sala, até então, desconhecida para mim. Pelos espelhos ao redor, a cadeira de metal (onde estava sentada) e o monitor ao lado, supus que se tratava de uma das salas usadas para os testes de aptidão.

Entretanto, tinha algo que não se encaixava. Como eu tinha parado ali? Estive tão nervosa que, sequer, lembrava do começo daquele dia? Ou o teste fazia com que esquecêssemos da nossa vida para, assim, a troca de facções fosse menos dolorosa?

A porta da frente se abriu e uma mulher, que nunca vi na vida, entrou por ela; segurava uma prancheta. Tentei me levantar, então percebi que minhas mãos e pés estavam amarrados na cadeira. O teste era tão doloroso a ponto de precisarem deste método?

A mulher observou meus movimentos atentamente, como se estivesse me estudando, sem sentimentos em seu olhar.

― Vamos ao resultado de seus testes ― disse, desviando o olhar para a folha em branco em cima da prancheta.

O que ela veria em uma folha branca? Por que meus resultados seriam divulgados em privado? Eles sempre faziam uma lista e divulgavam do lado de fora do corredor. Eu nunca participei disto antes, nem tive irmãos que participassem, mas já ouvi falar sobre algumas coisas. Apenas coisas, nada sobre o que teria que enfrentar no teste.

― Sem facção ― ela disse, dando um sorriso.

― O que? ― consegui fazer a minha voz sair, embora ela parecesse estranha para mim ― Deve haver algum engano.

Eu sabia que era impossível haver enganos com aquela máquina, mas olhei para o monitor, esperando algum sinal de que estivesse quebrado. Então vi um reflexo nos espelhos que me rodeavam, eram os meus pais me olhando acusatoriamente.

― Sem facção.

― Sem facção.

― Sem facção.

Levou apenas um segundo para eu perceber que não estava mais sentada, mas, sim, deitada sobre um tecido. Levantei-me rapidamente, abrindo os olhos no ato. Demorou um pouco para que eu entendesse que aquilo tinha sido apenas um pesadelo, que eu estava deitada na rede de casa, a salvo.

O raios de sol batiam diretamente em meu rosto. Olhei para baixo e vi um livro caído. Devia ter caído no sono enquanto lia, tentando dispersar meus pensamentos do teste de aptidão; coisa que, claramente, não deu muito certo.

― Aeryn, o que faz aí fora? ― a voz de minha mãe soou pela janela aberta ― Venha se trocar!

Deixei escapar um gemido, antes de me ajeitar na rede, algo um pouco difícil por conta da saia longa. Eu era muito baixa, a prova disso era o elástico que ia até embaixo de meus seios, mas uma das regras da Amizade era usar roupas confortáveis, e aquela saia era bem confortável para mim, apesar das escorregadas da barra e dos meus tropeços ocasionais.

Desci para os chuveiros e tomei um banho gelado, a única temperatura, na realidade. Seria loucura instalar aquecedores quando a Amizade passava a maior parte do tempo morrendo de calor. Troquei a saia amarela por uma verde, e a regata vermelha por uma laranja. Eram as únicas cores que podíamos usar. Cada facção tinha as suas, mas a Amizade era a que tinha mais variedade. A minha bota marrom era minha única companheira, nós não tínhamos muitas opções de calçados, por trabalhar no campo. As bainhas das saias eram sujas de terra, apesar de terem sido lavadas tantas vezes.

Quando desci as escadas, entendi porque minha mãe tinha parado de me chamar: ela já tinha ido. Peguei a minha mochila e apressei-me para o refeitório. Onde comíamos era ao ar livre; desagradável no verão, por causa das moscas.

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