Capítulo 1

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Cansado após uma caminhada longa, Carlos procurou algum restaurante onde poderia jantar, e refletir sobre os acontecimentos da tarde que ainda o perturbavam. Entrou em uma travessa da Avenida Paulista, e viu as opções que ainda estava abertas: um restaurante árabe especializado em esfihas e quibes, uma sorveteria, um "pé-sujo" que servia pratos executivos até as duas da madrugada, e um restaurante japonês com aspecto de caro. "Acho que estou merecendo me mimar um pouco", pensou, decidindo que um sushi seria uma boa pedida para matar a fome sem correr o risco de comer mal.

Entrou no restaurante, recebendo o tradicional "irashai-massê" dos garçons e atendentes do balcão, e procurou uma mesa de dois lugares, preocupando-se em não ocupar mais espaço no restaurante do que precisaria. Não iria querer ocupar uma mesa de quatro lugares, impedindo que um grupo mais numeroso tivesse assento e, com isso, prejudicasse o faturamento do local.

Essa era uma característica sua, de que Camila às vezes reclamava – muita preocupação em não prejudicar os outros. Muitas vezes, ela tinha razão: não era incomum que Carlos saísse de seu caminho para ajudar alguém ou se questionasse se um ato ou gesto iria ter repercussões negativas para outras pessoas, mesmo que mínimas. Por vezes ela o acusava de agir de forma irracional, pois frequentemente esse esforço em refletir sobre suas ações fazia com que ele atrapalhasse outras pessoas – na indecisão por sentar à mesa de dois ou quatro lugares, todos ficavam aguardando por sua decisão e ficavam sem poder sentar para comer.

De qualquer forma, naquela noite de sexta-feira, os questionamentos morais de Carlos ficaram em segundo plano ao entrar no restaurante, pois apesar de ter um certo movimento, a casa ainda tinha várias mesas vazias, o que permitiria que ele escolhesse tranquilamente o local para sentar-se. Escolheu uma mesa perto da porta do estabelecimento, que dava uma visão melhor do televisor pendurado na parede, ligado em um canal de notícias.

Acomodado, olhou ao redor, reparando na decoração, e no aspecto da clientela. O restaurante era estilo moderno, com decoração em preto e vermelho, com poucas luzes diretas. "Aqui seria um bom lugar para trazer algum cliente que quisesse discrição". Sorriu ao lembrar-se do caso da Sra. Castro, que morria de medo de que alguém descobrisse que estava namorando enquanto ainda casada, principalmente depois de Carlos informá-la das conseqüências da traição para o divórcio.

Na mesa ao lado, um grupo conversava animado. Carlos tentou observá-los discretamente, com o canto dos olhos, para não ser invasivo. Sempre tinha essa mania de observar as pessoas, e prestar atenção nas conversas. Mesmo quando conseguia ouvir apenas uma frase, já considerava uma certa vitória. Frases soltas, fora de contexto, eram as que ele mais gostava. "Mandei ela buscar o carro no hospital" ou "É um absurdo aceitarem isso de um garoto de 16 anos" faziam sua imaginação voar, tentando imaginar quem era ela, por que o carro estaria no hospital, ou o que poderia ter sido feito por um garoto de 16 anos que era um absurdo.

O garçom veio, anotou o pedido de Carlos ("um combinado de sushi e sashimi para uma pessoa, e um missoshiro") e informou-lhe que a casa funcionava com sistema de comanda, com pagamento no caixa. Carlos assentiu com um sorriso e recebeu a comanda do garçom.

Enquanto aguardava a comida, Carlos fingia olhar a tevê mas na verdade toda sua concentração estava no som que vinha da mesa ao lado. Disfarçadamente, começou a prestar atenção na conversa do grupo da mesa ao lado. Como não consegui olhar pelo canto do olho todo o grupo, não tinha certeza de quantos eram, mas imaginou umas cinco ou seis pessoas. Naquele momento, uma das mulheres da mesa falava empolgada, gesticulando bastante:

- ... e eu falei para ela assim que 'meu, é um absurdo uma inicial de mais de 15 páginas'. Vocês acreditam? Uma inicial de mais de quinze páginas! Eu vou te falar, eu acho isso inaceitável. Minhas peças são excelentes, eu faço pesquisa de jurisprudência, mas ficar citando doutrina na inicial não dá para engolir! Minhas iniciais têm no máximo três páginas!

Advogado de Causas ComunsOnde histórias criam vida. Descubra agora