Capítulo 3

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Carlos estava pensando em Marina. Por que ela havia o atraído a ponto de fazê-lo pegar o cartão que ela havia deixado no restaurante? Não tinha certeza se ela era muito atraente, de fato sua beleza era algo normal, apesar do fator exótico de ser ela descendente ou mestiça de orientais.

Algo o atraía naquela mulher. Seria atitude arrogante que ela demonstrou naquele dia no restaurante? Seria a sensação de deja-vu, que ela provocava fazendo com que ele pensasse que já a conhecia, talvez dos tempos de faculdade? Ou seria sua beleza ou sensualidade?

Fosse o que fosse, seus pensamentos voltaram para os afazeres do dia. Até havia pensado em pesquisar a página de Marina no Facebook, mas ficou algo envergonhado de utilizar os computadores da sala da Advocacia do Fórum em sites não profissionais, durante um horário em que algum advogado poderia estar precisando usar o computador para fechar alguma petição de ultima hora.

De todo modo, ainda pensando em Marina, Carlos percebeu que a hora se adiantava e faltavam poucos minutos para o fim do horário de atendimento do Fórum. Decidiu, então, se dirigir à rua para pegar um táxi que o levaria até em casa. Eram quase sete horas da noite, calculou que chegaria em casa antes das oito. Seria até cedo, teria um bom tempo para fazer exercícios antes do jantar.

Pegou o celular do bolso e abriu o aplicativo de chamar táxis. Colocou o endereço do fórum, informou que pagaria com cartão ou dinheiro e enviou o pedido: imediatamente um mapa surgiu indicando um carro que, segundo o aplicativo, chegaria em três minutos. Olhou para o Fórum e viu que a porta de entrada estava sendo fechada.

Distraiu-se olhando o movimento quando seu táxi encostou para pegá-lo. Na hora em que ia abrir a porta, outro táxi chegou logo atrás em alta velocidade, freou bruscamente, encostando para a saída do passageiro: um homem de terno e gravata, por volta de cinquenta e cinco anos, com uma pasta na mão. No mesmo momento Carlos identificou outro advogado.

O advogado saiu correndo desesperadamente do táxi, tanto quanto sua idade permitia, como um garoto que chega atrasado para prova do vestibular. E da mesma forma que o garoto, o advogado também correu para a porta e entrou em pânico ao ver que a mesma já se encontrava fechada.

- Não-não-não-não! – começou a reclamar em voz baixa, mas depois aumentou o tom: - Ah meu Deus, não faz isso comigo! Não é possível!... MAS QUE MERDA! – seu tom de voz oscilava entre o suave e desiludido e o agressivo e alto.

Carlos ficou meio sem jeito, sentindo vergonha alheia, mas percebeu na hora o que acontecera: provavelmente o advogado que chegara no táxi havia perdido algum prazo processual. Já vira a cena algumas vezes: um advogado ou estagiário ficara incumbido de protocolar uma petição no cartório do fórum. A incumbência inexplicavelmente ficara para o último dia do prazo processual. Isso nem sempre era desleixo: às vezes o advogado ou o escritório decidia usar todo o prazo para realizar algum estudo, pesquisa ou análise, ou ainda para melhorar a redação do documento: ou seja, nem sempre era absurdo deixar para protocolar no último dia. Mas também acontecia que, por algum motivo (congestionamento de tráfego, acidente, ou até mesmo negligência), o responsável por dar entrada na peça acabava também deixando para o último dia e acabava perdendo o prazo.

Nem sempre a situação era tão constrangedora como a que Carlos presenciava naquele momento: as vezes, era até mais desconcertante. Ele se lembrou de um caso em que perdera o prazo de um embargo de declaração, logo no início de carreira. Acontece que o prazo para interposição de embargos declaratórios era de cinco dias, conforme disposição à época do Código de Processo Civil. A sentença que seria embargada havia sido publicada numa quarta-feira, antes de um feriado prolongado. Como não iria trabalhar na emenda de feriado, Carlos equivocadamente imaginou que o Fórum também não teria expediente na sexta-feira, e acabou imaginando que o prazo de cinco dias começaria a ser a contado apenas na segunda-feira, terminando na sexta-feira da semana seguinte à da publicação da sentença.

Advogado de Causas ComunsOnde histórias criam vida. Descubra agora