Depois de várias semanas com bastante atividade no escritório onde trabalhava, Carlos decidiu passar no Fórum para ver o andamento de alguns processos que estavam parados, protocolar algumas peças e tentar conversar com o juiz de um caso que estava mais complicado. A caminho do Fórum de Santo Amaro, pensou como às vezes a profissão lhe parecia pouco glamurosa, e até mesmo meio burocrática demais.
Lembrava-se da turma bebendo cerveja no Porão, que era o nome dado ao salão da Faculdade onde funcionava a sede social, espaço de eventos e bar do Centro Acadêmico XI de Agosto, o órgão representativo dos alunos da São Francisco. Não era dos freqüentadores mais habituais, principalmente porque às vezes os colegas se empolgavam com a quantidade de maconha que fumavam, e o cheiro incomodava Carlos quando estava muito forte. Mas em geral umas duas ou três noites por semana passava algumas horas com os colegas ali.
Quem em geral o acompanhava nessas noitadas eram Clara e Gabriel com mais freqüência, Tania e Rafael, nem tanto. Nesses momentos, os cinco se permitiam sonhar com o futuro, reclamar de algum professor ou da desorganização da área administrativa da Faculdade, ou comentar sobre os outros colegas.
Na fila da agência bancária dentro do Fórum, para pagamento de custas dos processos que iria peticionar naquele dia, Carlos lembrou-se de uma noite em especial, após a última prova de Direito Administrativo.
– Olha, vou te falar uma coisa: nunca mais quero saber de Administrativo! – lamentou-se Clara. – Se eu precisar tratar de alguma licitação para sobreviver, morro de fome!
– Calma, Clarinha – riu-se Tânia. – Se todo mundo pensar assim, o governo nunca compraria nada...
– Ou, pior – completou Carlos – Se poucos pensarem assim, só vai ter raposa na Administração Pública, e o que o governo mais vai fazer é comprar mal!
– Pois é – continuou Tânia, dirigindo-se novamente a Clara – Para mim, o Carlos tem razão. Você sempre é toda metida a falar de princípio republicano e direitos sociais na aula, e inteligente que é, precisa ir trabalhar em algum Tribunal de Contas, para fiscalizar o pessoal que compra pelo governo!
- Nossa, agora fiquei com uma polícia moral pegando no meu pé – riu-se Clara, bebendo um gole de sua cerveja. – Meninos, é claro que eu não estou falando sério. E eu me animaria, sim, a trabalhar no TCU. Mas, convenhamos, por mais que moralmente os acórdãos deles sejam importantes, por mais que o pessoal do governo morra de medo de levar uma bronca deles, a efetividade das decisões depende do Judiciário.
- Estou entendendo então que aqui na mesa temos uma futura meritíssima juíza? – perguntou Gabriel, em tom de brincadeira.
Rafael respondeu, com o olhar fixo em Clara:
- Na verdade, Gabriel, meritíssima a nossa Clarinha já é – meritíssima aluna, uma estudante cheia de mérito. Só falta mesmo virar juíza!
- Tá, tá – Clara tentou sair do foco das atenções – E eu vou ser a juíza que vai resolver todos os problemas do Brasil, mas vocês sabem que eu serei inerte, preciso que um membro do Ministério Público me provoque para que eu tome alguma decisão! Quem de vocês vai ser do MP para ajudar a Justiça a consertar o Brasil?
Rafael, em tom de brincadeira, respondeu:
- Dra. Clara, eu já estou te provocando há pelo menos três semestres, e nada de ouvir sua sentença... Já tenho experiência!
O grupo riu, exceto Clara, que já havia algum tempo percebia o interesse de Rafael mas não tinha certeza se deveria tentar dispensá-lo, ou se deveria investir nele. Ela mesma não tinha muita certeza do que sentia por ele, mas não havia por que se manifestar abertamente, até porque ela tinha um namorado. E Rafael nunca havia chegado a realmente incomodá-la com sua abordagem.
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Advogado de Causas Comuns
Fiksi UmumNeste excitante romance sobre o mundo jurídico, acompanharemos a trajetória do jovem advogado Carlos Fennec, que sai dos bancos universitários com um ideal de auxiliar os mais carentes, mesmo pondo em risco sua própria carreira! Ele se encontrará c...