SONETOS ***
Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
Bibliotheca da Renascença
I
SONETOS
ANTHERO DE QUENTAL
PORTO IMPRENSA PORTUGUEZA MDCCCLXXXI
SONETOS
ANTHERO DE QUENTAL
SONETOS
PORTO IMPRENSA PORTUGUEZA MDCCCLXXX
HOMO
Nenhum de vós ao certo me conhece, Astros do espaço, ramos do arvoredo, Nenhum adivinhou o meu segredo, Nenhum interpretou a minha prece...
Ninguem sabe quem sou... e mais, parece Que ha dez mil annos já, neste degredo, Me vê passar o mar, vê-me o rochedo E me contempla a aurora que alvorece...
Sou um parto da Terra monstruoso; Do humus primitivo e tenebroso Geração casual, sem pae nem mãe...
Mixto infeliz de trevas e de brilho, Sou talvez Satanaz;--talvez um filho Bastardo de Jehová;--talvez ninguem!
DISPUTA EM FAMILIA
Dixit insipiens in corde suo: non est Deus.
I
Sae das nuvens, levanta a fronte e escuta O que dizem teus filhos rebellados, Velho Jehovah de longa barba hirsuta, Solitario em teus Ceus acastellados:
«--Cessou o imperio emfim da força bruta! Não soffreremos mais, emancipados, O tyranno, de mão tenaz e astuta, Que mil annos nos trouxe arrebanhados!
Emquanto tu dormias impassivel, Topámos no caminho a liberdade Que nos surriu com gesto indefinivel...
Já provámos os fructos da verdade... Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrivel, Não passas duma van banalidade!--»
II
Mas o velho tyranno solitario, De coração austero e endurecido, Que um dia, de enjoado ou distrahido, Deixou matar seu filho no Calvario,
Surriu com rir extranho, ouvindo o vario Tumultuoso côro e alarido Do povo insipiente, que, atrevido, Erguia a voz em grita ao seu sacrario:
«--Vanitas vanitatum! (disse). É certo Que o homem vão medita mil mudanças, Sem achar mais do que erro e desacerto.
Muito antes de nascerem vossos paes Dum barro vil, ridiculas creanças, Sabia eu tudo isso... e muito mais!--»
_MORS-AMOR_
Esse negro corcél cujas passadas Escuto em sonhos, quando a sombra desce, E, passando a galope, me apparece Da noite nas fantasticas estradas,
Donde vem elle? Que regiões sagradas E terriveis cruzou, que assim parece Tenebroso e sublime, e lhe estremece Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavalleiro de expressão potente, Formidavel, mas placido no porte, Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a féra extranha sem temor. E o corcél negro diz: «Eu sou a Morte!» Responde o cavalleiro: «Eu sou o Amor!»
_Á VIRGEM SANTISSIMA_
(Cheia de Graça, Mãe de Misericordia)
Num sonho todo feito de incerteza, De nocturna e indizivel anciedade, É que eu vi teu olhar de piedade E (mais que piedade) de tristeza...