Eu tinha acabado de entrar na universidade para cursar contabilidade. Eu me lembro bem quando entrei na primeira sala. No meio de toda aquela gente havia uma garota linda, com cabelo cor de mel que formava cachos perfeitos e escorriam até seu ombro. Olhos castanhos tão claros que olhando de relance pareciam amarelos e pele cheia de sardas. Ela era bem alta,na verdade ela era só alguns centímetros mais alta que eu, seu nome era Isabela. Naquele momento eu me apaixonei. Clichê ou não, aquilo foi amor a primeira vista. Logo eu procurei um lugar perto dela para me sentar. Quando eu me aproximei, havia uma cadeira com uma bolsa na sua frente, ela sorriu, retirou a bolsa e disse para eu me sentar, colocando a bolsa debaixo de sua própria cadeira. Ao ver aquele sorriso senti uma alfinetada no coração e repentinamente uma vontade de vomitar. Com certeza ela notou que havia algo estranho comigo, porque ela me perguntou se eu estava bem.
Desde aquele dia nos tornamos amigos e depois namorados. Sete anos depois nos casamos e tivemos uma filha que parecia um anjo de tão linda, por isso colocamos o seu nome de Angélica. Vivíamos felizes, elas completavam cada pedaço vazio da minha alma. Eu tinha um bom emprego e uma família lindam estava vivendo em um mundo perfeito.
Em um sábado, dia 18 de outubro de 2010 para ser mais específico, eu acordei assustado com o telefone tocando. Olhei para o relógio e levei um susto porque eu gostava de acordar cedo e já era 11 horas da manhã. Atendi o telefone que ficava ao lado de Isabela, que nessa hora já não estava mais deitada. Do outro lado da linha uma mulher fanhosa falou:
- Gostaria de falar com Emílio Cortez.
- É ele, pode falar.
- Lamento informar que sua esposa e sua filha se envolveram em um grave acidente de carro. Elas foram trazidas para o Hospital Santa Terezinha e necessitamos que o senhor venha aqui imediatamente. - disse a mulher com um tom de voz que não indicava nenhum lamento e sim frieza.
Fiquei tonto, não conseguia reagir ou falar. Minha voz estava entalada na minha garganta e a única coisa que se podia ouvir eram espasmos na minha respiração. Ouvi meus próprios gemidos e comecei a chorar.
- Elas estão bem? - consegui perguntar finalmente.
-Não posso dar informações por telefone, quando o senhor chegar aqui pergunte pela assistente social Ivone Perez. - respondeu a mulher com a mesma frieza e desligou o telefone.
Assistente social, essas duas palavras se repetiam na minha cabeça que ainda girava. Isso significa que alguém havia se ferido gravemente ou pior. Minhas pernas tremiam, juntei todas minhas forças e finalmente consegui trocar de roupa e ir ao hospital.
Quando cheguei lá perguntei pela tal assistente social e me mandaram para uma sala. Caminhei até a sala 33 e quando entrei me deparei com várias pessoas sentadas nos bancos. Eu esperava encontrar um escritório com uma pessoa para me explicar o que havia acontecido. Eu não queria compartilhar algo tão pessoal com pessoas desconhecidas. Uma enfermeira que passava por ali notou que eu parecia meio confuso e disse que se eu procurava a assistente social Ivone eu podia entrar na sala e esperar.
Passados alguns minutos Ivone entrou e me viu. Ela era uma mulher jovem não deveria ter mais de trinta anos. Branquela e com cara de mal humorada de deixar qualquer um com medo. Antes mesmo que ela perguntasse eu fui logo me identificando.
- Eu sou Emílio Cortez, a senhora me ligou... - sem me deixar terminar a sentença ela estendeu sua mão segurando formulários e solta a bomba com a maior frieza do mundo.
- Sua mulher e sua filha faleceram no acidente de carro. Sinto muito. Aqui estão os atestados de óbito e alguns formulários para preencher. - sem dizer mais nada ela saiu da sala novamente.
Meu mundo desabou. As pessoas me olhavam com pena, olhei em volta e vi no rosto de cada pessoa que eles sim sentiam muito por minha perda, mas aquela assistente social não. Meu lábio inferior começou a tremer . Meus olhos se encheram de lágrimas. Coloquei minha cabeça para baixo e chorei. As lágrimas borravam o documento enquanto eu me esforçava para ler.
Uma senhora muito velha e humilde que estava na sala quando eu recebi a notícia levantou-se de sua cadeira com muita dificuldade e com a ajuda de sua bengala sentou-se ao meu lado. Ela passou a mão nos meus cabelos e disse com uma boca que já não tinha dentes:
- Chora meu filho, não existe nada melhor do que as lágrimas para lavar nossas tristezas, mas se prepare porque a dor da perda de um filho jamais termina. Eu perdi meu marido e dois filhos em uma briga de bar há mais de quinze anos, meu coração ainda se afunda em dor quando penso neles. - com suas mãos enrugadas ela levou minha cabeça até seu ombro, onde eu chorei por um longo tempo.Um enfermeiro entrou na sala e levou aquela senhora. Ela sorriu e disse que Deus iria me ajudar e que eu não me preocupasse.

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Mente Travessa
De TodoConta a vida de um homem chamado Emílio Cortez. Ele era um cara muito feliz, ele se casou com uma mulher muito bonita chamada Isabela. Eles tiveram uma filha tão linda que parecia um anjo, colocaram o seu nome de Angélica. Tudo estava perfeito. Ate...