Capítulo 2

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Os dias seguintes foram uma tristeza total. Velório, enterro, solidão, familiares e amigos telefonando e vindo até a minha casa e tentando me ajudar. Depois de uma semana resolvi voltar ao trabalho e tentar seguir a vida adiante. Foi exatamente neste dia que eu descobri que jamais levaria uma vida normal. 

O primeiro dia de trabalho foi extremamente doloroso para mim. Os tapinhas nas costas, o olhar de pena das pessoas e a até uma conversa do dono da firma com um dos gerentes que escutei sem querer dizendo para não me dar nada muito complicado porque eu não estaria concentrado durante muito tempo. Eu não tiro sua razão porque eu sabia que ele estava certo, de qualquer forma eu preferia não ter escutado a conversa. 

Cheguei em casa seis e meia como de costume e ai notei o primeiro dos muitos acontecimentos bizarros que estavam por vir. Angélica tinha um desses laptops de brinquedo que, não sei como, foi parar em cima do sofá, exatamente onde ela gostava de sentar. Eu tinha certeza que o brinquedo estava em seu quarto. Lembro de ter guardado tudo que era dela lá. Me aproximei do laptop e quando o toquei escutei a voz que falava quando ela o ligava. A pilha deveria estar bem fraca, pois a voz estava lenta, grossa e... quase demoníaca.

- Ooooláaa aaaaamiiiiguuiiiinhoooo. Eeeessssstaaaaa proooonnnnnntoooo paaaaraaaa aprennnndeeeerrr?

Eu senti o frio na minha espinha começando lá em baixo e subindo lentamente até minha nuca arrepiando todos os pelos que se encontrava pelo caminho. Senti até o cabelo na minha cabeça arrepiando. Fiquei ali congelado por um tempo. Quando o medo passou levei o laptop até o seu quarto e o guardei.   

 Depois do susto fui me deitar. Ainda estava muito cansado, porém sem fome. Deitei na cama e assisti televisão por algumas horas sem prestar muita atenção no conteúdo. Dormi sem perceber. Acordei de madrugada, a televisão estava bem alta. Bruce Willis estava saltando por cima de mesas de escritórios em quanto vários homens atiravam em sua direção com fuzis e metralhadoras. Respirei fundo e virei para o lado. Isabela estava deitada ao meu lado. 


- Acho que você estava tendo um pesadelo. – disse ela acariciando meu rosto.

Eu a abracei e chorei com o rosto apertado em seu corpo. Eu me afastei e olhei para o seu rosto. Deus como ela era linda, aquele sorriso era perfeito. Naquela hora eu realmente achei que tudo não havia passado de um pesadelo terrível. Quando eu já estava pronto para abraçá-la novamente notei que o canto da sua boca tremia, com dificuldade ela mantinha a boca fechada. Foi então que meu terror recomeçou.

A pele de seu queixo estava cinza e aquele tom foi rapidamente espalhando por seu rosto, uma vez tomada por cinza a pele começou a apodrecer e descascar. Seus lábios se partiram, de dentro saiu um verme negro que caiu na cama. Dentro de sua boca outros vermes se deliciavam em sua língua enquanto outros saboreavam seus olhos, que de maneira sobrenatural, foram puxados para dentro de seu crânio e desaparecendo no buraco negro que tomou o lugar. A cama nesse momento estava repleta de vermes de todos os tamanhos e cores que se fartavam na iguaria do corpo de Isabela. Aquilo tudo foi demais para mim. Eu não aguentei e desmaiei.   

  Acordei na manhã seguinte com o alarme do rádio relógio. Senti o cheiro de café e pão fresco, lembrei que não tinha jantado no dia anterior e me senti faminto. Escutei o barulho da cafeteira na minha cozinha e saltei da cama. No momento pensei que minha mãe poderia ter vindo me ver e estava preparando um café da manhã. Fui andando até a cozinha o cheiro de café e pão ficavam mais forte a medida que eu me aproximava. Quando entrei na cozinha o barulho parou e os aromas que estava sentindo desapareceram.

Liguei para o trabalho e disse que não iria, meu chefe disse para tomar o resto da semana se eu precisasse. Fui até o consultório de um dos meus melhores amigos que era psiquiatra e ele prontamente aceitou me receber. Contei-lhe tudo e saí de do consultório com duas receitas de remédios controlados. Um para depressão, outro para me ajudar a dormir.

Voltei para casa mais tranqüilo. Foi bom desabafar com um amigo. Sentei-me em frente do computador e abri um site de notícias. Era tanta desgraça que eu pensava que a qualquer momento sangue escorreria pelo monitor. Uma notícia chamou minha atenção. O título dizia: Assistente social é premiada. A foto mostrava Ivone Perez com uma placa na mão sorrindo para a câmera com dois homens de terno a seu lado. O texto dizia que uma fundação que eu nunca tinha ouvido falar a premiou por seu trabalho no Hospital Santa Terezinha. Isso foi o bastante para mim, eu não pude terminar de ler a matéria.   

  Ódio tomou conta do meu corpo. Como aquela assistente social de merda ganhou um prêmio, ela era com certeza a pior do país. Eu nunca poderia perdoá-la pelo jeito que ela tratou a morte das duas pessoas mais importantes para mim. De maneira nenhuma eu a deixaria desfrutar uma glória que não a pertencia. Estava decidido, eu iria assassinar Ivone Perez.

Mente TravessaOnde histórias criam vida. Descubra agora