Eu estava furioso, mas a ponto de me tornar um assassino? Certamente não pensei. Desliguei o computador, tomei duas pílulas para dormir, apesar de ter sido orientado para tomar somente uma. Caí em um sono extremamente profundo.
Não sei ao certo quanto tempo depois, se era dia ou noite, se estava acordado ou dormindo. O fato é que tentei abrir meus olhos, mas eles estavam muito pesados. A televisão estava alta e eu queria desligá-la. Com um esforço tremendo consegui abrir um pouco os olhos. Minha visão estava turva como se eu estivesse no meio de uma neblina. Acho que era efeito da dose dupla do remédio. Tentei levantar e não pude. Desisti de desligar a televisão. Virei-me para o outro lado da cama onde Isabela dormia, lembrei dos acontecimentos da noite anterior e senti medo, mas a cama estava vazia. Respirei aliviado e comecei a fechar os olhos para voltar a dormir, mas algo me chamou a atenção para a porta. Tentei ao máximo focalizar a imagem, mas não tive sucesso. Duas sombras estavam na porta. Uma de uma pessoa adulta, estava escorada no portal segurando a mão da outra sobra que era de uma criança. A criança estava segurando o que parecia ser um animal de pelúcia em sua mão. Fiquei observando as duas sombras com a certeza de que eram Isabela e Angélica.
- Aquela mulher nunca deveria ter te tratado daquela maneira. Te avisar de nossa morte na frente de pessoas estranhas da maneira mais fria possível? Acho que ela até gostou de te ver sofrendo. – disse Isabela com a voz suave. - E por que você está tomando esses remédios? Você quer que nós vamos embora?- Não, por favor não vai... – o efeito do remédio me fez dormir antes que pudesse terminar.
Na manhã seguinte acordei com o nome da assistente social na minha cabeça. Fúria me possuiu uma vez mais. Eu me sentia disposto e arquitetei um plano rápido. Iria até o hospital, esperaria Ivone ir embora e quando ela chegasse em casa eu a mataria. O plano parecia perfeito, mas qualquer um pode imaginar as mil variações que poderiam acontecer. Mas eu estava perturbado, a neblina que cobria minha visão na noite anterior agora cobria meu raciocínio.
Abri meu guarda-roupa, tirei uma caixa de sapatos que ficava no ponto mais alto e peguei um revólver calibre 32 que meu pai me presenteou quando me casei com Isabela.- Um homem sempre precisa estar pronto para defender a honra de sua família, mas não fraqueje, se você apontar a arma para alguém, tenha certeza de apertar o gatilho. - Disse ele.
Liguei para o hospital e perguntei se Ivone estava trabalhando e a atendente me informou que ela estava sim e atendia até as cinco da tarde. Às quatro e meia da tarde eu parti para o hospital e fiquei de vigília na saída dos empregados. Cinco e quinze Ivone saiu do hospital e entrou em seu carro. Eu a segui com distância para não atrair sua atenção. Não demorou muito e ela parou na porta de uma casa de classe média e acionou o portão eletrônico de entrada. Era a minha chance.
Parei meu carro atrás do dela, abri a porta e ela notou o que estava por vir. Provavelmente pensou que era um assalto e começou a gritar. Com o revólver em mãos eu mandei que abrisse a porta ou eu atiraria. Com medo ela abriu.
- Você se lembra de mim? – perguntei.
- Não. O que você quer? Toma minha bolsa. - ela responde assustada.
Olhei para ela e lembre do dia da morte de Isabela e Angélica. Puxei o gatilho enquanto apontava a arma para sua cabeça. Para meu desalento eu escutei um clique. Apertei o gatilho novamente, e deu outro clique. Uma outra vez, clique. A arma estava vazia, na minha cólera esqueci de colocar as balas no tambor.
Notando meu erro Ivone aproveitou o momento, jogou seu corpo para o lado do passageiro e chutou meu estômago com os dois pés. Caí de costas com a cabeça em um canteiro cheio de pedras, sangue escorreu pelo meu pescoço. Meio tonto eu a vi saindo do carro. Ela saltou e antes que pudesse se distanciar eu agarrei seu tornozelo com uma mão enquanto a outra enfiava o revólver de volta na cintura.- Corre pra dentro Felipe. – Escutei ela gritar.
Quando eu olhei para dentro da casa, um menino de uns cinco anos de idade chorava e gritava. Aquilo me chocou profundamente. Aquela criança estava prestes a presenciar o assassinato de sua mãe, mas agora era muito tarde para voltar a traz. Com toda minha força puxei seu tornozelo. Ela perdeu o equilíbrio e caiu no chão. Apertei seu pescoço, ela lutava por ar.
- Liga para polícia. – alguém na rua gritou.
Sabendo que matá-la sufocada tardaria mais tempo do que eu tinha resolvi buscar outro recurso. O canteiro onde cai tinha uma pedra manchada com meu sangue. Não era muito grande, mas se bem usada poderia me ajudar a terminar meu trabalho. Com minha mão direita levantei a pedra e com toda força atingi seu rosto. Sua mandíbula se deslocou para o lado, sangue espirrou no meu rosto completando a pintura já iniciada na minha nuca. Dei outro golpe, esse um pouco mais perto do olho, sua bochecha afundou.
- Filho da puta. – gritou um homem saindo da casa de Ivone.
Sem pensar voltei para o carro e fui embora. Eu já estava alguns quarteirões longe quando meus erros começaram rodar em minha cabeça. Notei que três ou quatro pessoas presenciaram meu crime e, com certeza, anotaram a placa do carro. Eu não usei nenhuma máscara e todos poderiam me reconhecer.

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Mente Travessa
De TodoConta a vida de um homem chamado Emílio Cortez. Ele era um cara muito feliz, ele se casou com uma mulher muito bonita chamada Isabela. Eles tiveram uma filha tão linda que parecia um anjo, colocaram o seu nome de Angélica. Tudo estava perfeito. Ate...