Ver você de novo

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Meus pais estão abraçados ao lado de Petter. Minha mãe tentando secar as lágrimas com o lenço azul do papai; elas não param de cair. A cor negra do caixão faz contraste com o céu nublado de nuvens cinza chumbo que passam devagar enquanto cada um ali presente parece sentir minha falta, em luto mútuo. Meu enterro. Meu caixão. Meus amigos. Poucos, mas meus. Onde estará Mary? A dor aperta ao pensar nos meus avós. Queria ter tido a chance de me despedir deles. A última vez que os vi fora na última ceia de natal, mais uma vez admirando o quanto eles se completam um ao outro. O quanto um importa-se pela felicidade do outro. "Até depois do fim", diziam. Lembro que quando criança, minha vó contava uma história que findava com a mensagem singela de que "só o tempo é capaz de fazer entender e explicar um grande amor". É, minha vó, sentirei sua falta. É quase como se eu ainda pudesse sentir seu abraço, o toque de seus dedos no meu cabelo despenteado, a maciez do seu colo e todas as vezes que me olhava no fundo dos meus olhos e dizia que "se cair, chore. Se amar, chore. Se chorar, bem, a vida ensina". Do meu avô, só me desperta o grande sentimento de gratidão por cuidar de tal criatura completa de amor. Enquanto me perco nas lembranças, Petter tira um folha de caderno um tanto amassada de dentro do bolso da calça e pigarreia. Olha para papai e este acena, balançando a cabeça. Logo ele começa a ler...

- "Todos os dias quando acordo eu fico fazendo planos sobre o que fazer do meu dia, e numa certa manhã, com o pensamento aflorado, resolvi escrever sobre o que sinto. Faltam 3 dias para o meu aniversário e não me sinto ansioso pelo aniversário em questão, mas sim porque estarei ao lado de todos que amo. Meus avós estão vindo de muito longe e fazem questão de comparecerem todos os anos. Meus amigos, Petter e Mary, bem, não tenho nada a dizer sobre eles. Só um carinho gigantesco, reflexo do que recebo. Meus pais ficam tão animados que parece até que o aniversário é de um deles. Eu poderia escrever algo melhor como qualquer um dos meus textos anteriores, mas resolvi ser menos poético e falar como estou no momento. Desde quando eu me tornei tão chorão? Lagrimas escorrem pelo meu rosto enquanto escrevo. Não quero perder as pessoas que amo. Quero eles sempre comigo. Minha mãe sempre diz que antes uma mãe do que um filho. A dor que uma mãe sente em perder uma parte dela não é a mesma que um filho sente em perder a mãe. Mãe, pai, eu amo tanto vocês!".

Petter termina de ler com a voz embargada, segurando o pranto. Volta a guardar a folha no jeans e encara os rostos que olham para ele, ao redor. - Esse foi o ultimo texto que encontrei dele.

Não consigo deixar de sorrir. Petter, você poderia ter lido algo melhor, não acha? Estou passando vergonha até no meu próprio velório! Petter respira fundo e eu sei que ele está reunindo forças para falar...

- Tem sido um longo dia sem você, companheiro. E me agarro à esperança de que iremos nos ver novamente, em breve. Quando isto acontecer, quero poder ter a certeza de que nos lembraremos de todos os nossos momentos juntos. Quem diria que eu estaria aqui fazendo aquele discurso fúnebre que você sempre fez tão bem? Você só não era bom nisso, como tinha o talento de fazer qualquer um sorrir. Quem fará isso em seu lugar, meu amigo? Tudo o que passei até estar aqui... E você nunca deixou de estar do meu lado. Me diz como eu vou suportar? Como faz para sanar a dor e voltar a sorrir, Carl? Hum?

Ele seca as lágrimas rapidamente na gola da blusa e respira fundo, olhando para o chão.

- Você deve estar se perguntando porque a Mary não veio. Quero que saiba que ela está bem. Tudo teve início numa amizade modesta que se transformou num imenso laço. O que tenho certeza de que nunca será desatado, meu caro. Vocês seguiram os seus próprios caminhos, mas... O amor não se perde, nos faz encontrar o caminho de volta para casa.

Papai e mamãe se aproximam e o abraçam, cada um de um lado. Mamãe apóia a cabeça em seu ombro e papai bate de leve em suas costas. Petter continua:

- Carl, quando estiver perto de cruzar a linha que nos separa, prometa não se esquecer de mim, certo? Guarde nossas lembranças consigo e deixe a luz te guiar. Ela te levará para casa.

Ele deu as costas e acenou para os meus pais, indo embora. Dera alguns passos e depois retornou, com um sorriso no canto do lábio e a expressão confusa.

- Antes que eu me esqueça: eu te odeio.

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