Uma das passagens mais inquietantes, e até mesmo que dão calafrios, é o relato nas Escrituras de Marcos sobre a exclamação do
Messias ao estar na Cruz romana. Ele exclamou: ― Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?‖ (Marcos 15:34).À luz do que sabemos sobre a natureza impecável do Filho de Deus e sua perfeita comunhão com o Pai, é difícil entender as palavras de Cristo, porém ainda assim nelas encontramos o significado da Cruz expostas, e encontramos a razão pela qual Cristo morreu. O fato de que Suas palavras estejam também documentadas em hebreu nos diz algo de grande importância para elas. O autor não queria que mal entendêssemos e que não nos escapasse nem uma só coisa!
Nessas palavras, Jesus não só está chamando ao Pai, mas como mestre jubilado, Ele também está dirigindo a seus espectadores, e todos os futuros
leitores, a uma das mais importantes profecias messiânicas do Antigo Testamento - o Salmo 22.
Ainda que todo o Salmo esteja cheio de profecias detalhadas da Cruz, nos contentaremos somente com seus primeiros seis versículosDeus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu bramido? Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves; de noite, e não tenho sossego. Porém tu és santo, tu que habitas entre os louvores de Israel. Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram
confundidos. Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo
(Salmo 22:1-6).Nos dias de Cristo as Escrituras judaicas não estavam organizadas em capítulos e versículos como as temos hoje. Assim, quando um rabino queria dirigir seus ouvintes a certo Salmo especifico ou tal porção das Escrituras, o
fazia recitando as primeiras linhas do texto. Nessa exclamação desde a cruz, Jesus nos dirige ao Salmo 22 e nos revela algo do caráter e propósito de Seu sofrimento.Nos primeiros dois versículos, escutamos a queixa do Messias: Ele se considera abandonado por Deus. Marcos utiliza a palavra grega egkataleípo, a qual significa desamparado, abandonado, ou desertado. O salmista utiliza a palavra hebréia azab, a qual significa deixar, perder ou desampara. Em ambos os casos, a intenção é clara. O próprio Messias é consciente de que Deus o há desamparado e se pôs de ouvidos surdos a Seu pranto. Esse desamparo não é simbólico nem poético. É real! Se alguma vez alguma criatura sentiu-se desamparada por Deus, essa certamente foi o Filho de Deus na cruz do Calvário!
No quarto e quinto versículo do Salmo, a angústia sofrida pelo Messias se volta mais aguda ao recordar a fidelidade do pacto de Deus para com seu povo.
Ele declara: ― Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos."
A aparente contradição é clara. Nunca houve um só momento na história em que o povo pactual de Deus houvesse visto um homem justo clamando a Deus sem ser resgatado. No entanto, o Messias sem mancha dependura-se do madeiro completamente desamparado. Qual poderia ser a razão pelo desamparo de Deus: Por que virou as costas a Seu Filho unigênito?
Entrelaçadas no pranto do Messias se encontram as respostas a essas inquietantes perguntas. No terceiro versículo, Ele faz a inquebrantável
declaração de que Deus é Santo, e logo, no sexto versículo, Ele admite a atrocidade - Ele tinha-se convertido em um verme, e já não era homem.Por que o Messias utilizaria tal linguagem pejorativa consigo mesmo? Acaso se enxergava a si mesmo como um verme porque tinha convertido-se o ― opróbrio
dos homens e desprezado do povo‖, ou tinha uma razão mais espantosa para Sua auto-depreciação? Depois de tudo não clamou, ―Deus meu, Deus meu, porque me há desamparado o povo?‖ Mas sim se esforçou em saber por que Deus o tinha feito! A resposta pode ser encontrada em somente uma amarga verdade: o Senhor tinha feito que toda nossa iniquidade caíra sobre Ele, e como um verme, Ele foi desamparado e moído em nosso lugar.