1 - O primeiro pedaço

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Não sei por onde começar. Meu cérebro anda correndo muito esses dias, e eu não estou fazendo sentido algum, mas esse é o meu forte: a confusão. Eu realmente concordo que eu deveria fazer sentido nisso, mas não é bem o meu forte. Na verdade, acho que foi inútil até agora.

Bom, se é pra eu fazer sentido, melhor eu me apresentar, não é? Meu nome é Lucrécia Croogs. O resto você vai entender depois. Tenho uma cratera no meu coração. É o primeiro buraco de amor verdadeiro em mim. Buracos de amor não são fáceis de se recuperar, viu? São os piores de cicatrizar. E o primeiro sempre deixa uma marca enorme e dolorida, pelo que eu consegui observar em meus amigos. Acho que vai ser um porre aturar essa minha saudade insistente e maluca do meu Amigo. Não, eu não vou dizer o nome dele, mas ele com certeza vai saber de quem estou falando, então só o chamarei de Sr. A, ou de Amigo.

Sr. A foi uma encrenca e tanto, e nunca fui tão rebelde na vida antes de me apaixonar por ele. Na verdade, eu nunca fui tão emocional e impulsiva antes dele, eu costumava usar o cérebro. Ele foi a melhor maneira de descobrir que para amar você não precisa necessariamente usar o cérebro, já que suas emoções te empurram como uma multidão em um show, é alucinante e devastador, te preenche por inteiro e explode em cores. Agora o que sinto está mais para uma grande nuvem preta e chuvosa e as lembranças felizes me desbotam, mas eu acho que é só uma questão de me acostumar.

***

Hoje o dia acordou como eu, chorando. Gosto de pensar que às vezes algo está compartilhando esses sentimentos comigo, não é nada consolador se sentir mais sozinha. Meu pai acaba de bater na porta e diz:

‒ Vai acabar perdendo o ônibus, preguiça.
No que respondo:
‒ Não enche, jamanta.

Ah, eu amo o meu chefe! A gente se fala pouco, mas eu o amo, fazer o quê? É o primeiro homem da minha vida. Levanto, me visto e antes de resolver o problema da minha juba vou no quarto do Guto e puxo as cobertas dele.

‒ Lu! Vê se cresce e me deixa dormir, pô. - ele diz indignado. Eu estou de saco cheio disso, se ele quer perder prova eu não tô nem aí. Assim que termino de me arrumar, ele levanta e me dá aquela olhada de "Sua traíra, não me empurra da cama na próxima que você vai ver só" e me empurra. Assim que eu saio, a chuva parece mais calma e eu corro pra pegar o ônibus. Helô sempre guarda o meu lugar, mas acho que hoje preciso de um lugar vazio, não é legal perturbar as amigas com sua tristeza logo de manhã. Mesmo assim ela percebe e me fala:
‒ Ok, já vi suas olheiras, toma uma base e vê se disfarça isso aí antes de chegarmos. Você tá uma monstra, sabia?
‒ Eu sei, valeu por me lembrar maninha.
‒ Você só pode estar ficando sadomasoquista, garota! Aquele idiota só vai notar o que perdeu se você mostrar, e pra isso precisamos dar um jeito nessas covas emocionais que você anda cavando nos olhos, ok? Você precisa ativar a femme fatale que tem aí, e rápido!
‒ Mana, você é realmente inspiradora de manhã, mas eu não estou no clima pra mudança drástica de comportamento, até porque você já ficou bem pior por um cara que valia menos.
‒ Oh! - ela bufa, desgostosa. - Não me meto mais então, sua chata!
É, o dia começou muito bem...

***

Assim que chego na escola, Helô me dá aquele sinal e eu sei que meu Amigo está lá. Eu passo e quando estou quase conseguindo ignorar, eu olho. Ele acena a cabeça e eu me viro, cabisbaixa. Impossível não ter essa doce derrota toda manhã, e é claro que Helô me encara com desaprovação, mas eu quase estou mandando ela ir à merda. Heloísa Baker ainda não me conhece tão profundamente, somos amigas há apenas um ano, e mesmo assim ela se vê como minha general e fica tentando me fazer lidar melhor com isso, mesmo quando eu afirmo que a vista de fora é diferente do interior. Ela sempre retruca:

‒ É, mas seu exterior está me mostrando muito do seu interior ultimamente, então use isso como uma dica pessoal pra mudar sua aparência, é deprimente.

Ao contrário de Helô, Olívia sempre foi meu baú de confissões. Ela conhece uma parte da minha história que Helô não faz ideia, e eu prefiro não contar. Ela não precisa saber que nunca namorei um cara antes do meu Amigo e não precisa entender que eu vou me recuperar mais devagar de um pé na bunda, afinal é o primeiro. Prefiro pular o estresse de um surto de Heloísa.

Afinal, onde está a Olívia quando eu preciso dela pra desabafar? É claro, num intercâmbio em Nova Iorque! Pego o celular rapidamente (escondido do inspetor) e marco um alarme pra quando chegar em casa: Sinal de fumaça p/ Liv assim que der!!!

Assim que entro na sala, não encontro a bolsa do Diogo e fico pensando se ele vai aparecer na escola hoje. Ele se tornou um melhor amigo, e eu sempre me sinto anestesiada da realidade com ele. É como se meu sofrimento fosse uma receita de torta de maçã e nós dois cozinheiros inexperientes tentando dar um upgrade nela. O considero como um irmão, e isso é recíproco. No caso eu adoraria um abraço de irmão agora, seria muito bom.

***

Dou uma escapada pra conversar com as garotas antes do sinal, e quando Diogo chega eu lhe dou aquele abraço apertado, mas eu me espanto com a cena que estou assistindo: Sr. A fecha aquela cara de ciúmes mais manjada da história e sai pisando duro. Heloísa se vira para mim e diz:

‒ Mana, você viu o que eu vi?
‒ Não - minto. - Eu estava abraçando o Diogo.
‒ O que tá rolando, Helô? - pergunta Diogo.
‒ "Alguém" saiu pisando duro ali, e pela cara morrendo de ciúmes.
‒ Deixa morrer, foi ele quem decidiu me dar o fora. - eu digo, e instantaneamente sinto que estou prestes a chorar.
‒ Se você chorar agora eu te dou um tapa, mana. - Helô diz, e Diogo cai na risada.

O sinal toca, e Helô sai correndo pra sala dela, enquanto Diogo e eu vamos pra nossa. Ele olha pra mim:

‒ Maninha, a gente precisa conversar ou você tá ok por hoje?
‒ Não sei Dig, não sei. Eu te aviso depois.

***

Sr. A veio no recreio. Eu queria um tempo sozinha na sala, então eu pedi ao Diogo pra avisar as meninas e ele saiu, mas não durou nem 2 minutos o meu momento sozinha.

‒ Oi. - ele disse.
‒ Fala logo.
‒ Nossa, que estresse!
Nossa, você notou!
‒ Qual é, não te fiz nada! Só quero conversar, tem como?
É claro, você sempre quer conversar, não é, Amigo?
‒ Tá, eu já disse pra falar.
‒ Você tá bem?
‒ Eu pareço bem?
‒ Não muito.
‒ Então...
‒ Para de ser grossa, poxa!
‒ Para de fazer cara de ciúmes por aí, merda! - e tapei a boca. Droga, droga, droga, pra quê que eu fui falar isso?
Ele me deu as costas e saiu, parecia furioso, mas eu realmente não estava dando a mínima pra fúria dele. Eu pareço um zumbi desde quando ele me deu um fora, e ele parece estar tão bem quanto já estava. Meu Amigo radiante como o sol e eu igual uma refeição de urubu, sinto como se o tempo que estivemos juntos tivesse evaporado da cabeça dele. Eu não vou me permitir chorar agora, seria mais que ridículo. Corro pra fora da sala e peço um abraço pra meus amigos, e Diogo já me olha preocupado:
‒ Chorar não?
‒ É, chorar não.

Helô e Megan me abraçam e eu me sinto melhor, mas quando Diogo me abraça eu levo um cutucão de Megan. O olhar de Helô já me avisava, mas não deu tempo o bastante pra eu perceber até levar um esbarrão no ombro do Sr. A, que passa quase que cuspindo fogo.

‒ Qual é a dele afinal? - Megan me pergunta.
‒ Fique à vontade para descobrir, amiga.

***

Chego em casa e meu celular apita sem parar. Bom, pelo menos já sei que o WiFi não está quebrado e que tem internet.
Lembrete de aniversário no Facebook, ok. Comentários em alguma coisa, ok. Solicitações de jogos, ok.
Carinha brava no Whats... ah, que maravilha, ele vai dar chilique.

‒ Que é?
‒ Precisa mesmo ficar abraçando o Diogo na minha frente?
‒ Eu sempre fiz isso, não só na SUA frente, na frente de TODO MUNDO, ok?
‒ Tá >:(
‒ Tchau.
‒ Nossa.
‒ O que é agora?
‒ Nada, se não quer conversar, tudo bem.
‒ Eu tô indo almoçar ‒.‒'
‒ Ah tá.

"Não, eu não tô indo almoçar, só não quero aturar esse seu papinho de que não era pra ser e que você quer que sejamos amigos como antes. Eu já ouvi demais as suas historinhas e sei como acabam, eu vou ficar aqui chorando e você curtindo e rindo da minha cara com outra garota. Mesmo que você ainda tenha ciúmes de mim eu sei lá o porquê, me deixar em paz ajudaria muito. "
Guardo o celular, despenco na cama e deixo meus olhos virarem as nuvens lá de fora. Deixo chover no meu travesseiro, e os soluços são os meus trovões. É, o céu vai chorar comigo hoje.

O Colecionador de CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora