7 - Quebrando novamente

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  – Ei, esse pedaço é meu! – reclamo indignada quando Guto morde a minha pizza, enquanto marco um gol nele no videogame.

  – Isso não te pertence mais, maninha. – ele ri como um vilão de desenhos e devora o que restou do pedaço. Senti falta de interagir com ele, mesmo que às vezes seja um saco ter que aturá-lo. Acho que se fosse uma irmã seria até interessante e menos aborrecedor, mas se ela fosse muito “frufruzenta” não ia ter diversão nenhuma. A campainha toca e eu costumeiramente bato a mão na testa.

  – Putz! Esqueci do Diogo! – e saio correndo, largando o controle na cama do meu irmão, pulando a escada e abrindo a porta toda esbaforida.

  – Oi! Eu esqueci completamente! – sorrio como que pedindo desculpas.

  – Ah, sem problema! Tava pensando em tomar uma ducha aqui antes de sairmos, acabei de voltar da caminhada, que é uma corrida. Posso?

  – Pode! Dá tempo de eu me arrumar, aí a gente sai.

  – Beleza. Oi Guto! – ele acena para a escada, onde meu irmão está com cara de paisagem e os dois controles nas mãos.

  – Você  vai  mesmo  me  abandonar  no  meio  da  partida?  –  ele  diz, lamentando.

  – Ah, eu derroto você depois. Agora o Diogo vai usar a sua ducha lá em cima. – vou empurrando-o até o Guto, enquanto cochicho pra ele: – Boa sorte lá dentro.

  Minha  última  visão  é  uma  cara  de  desespero  fingido  vinda  de  Diogo subindo as escadas, que me faz gargalhar.

***

  Depois que acabei de registrar minha descoberta do século já era uma da manhã, então só vi o pessoal mais tarde. Olívia foi levar as coisas dela pro apê no centro da cidade, então fui pra casa da Megan pra discutirmos o que iríamos fazer depois da formatura desse ano.

  – Que tal uma, praia? – sugeri.
  – Eu não tô em forma pra praia, mana. – Helô diz e cruza os braços.
  – Também né, quem mandou se entupir de sorvete? – Meg comenta e ela faz beicinho. – Podíamos ir pra um acampamento de verão.
  – Muito clichê. – digo.
  – Praia também é clichê – Diogo diz. – Eu tava pensando em fazer trilha e acampar por aí, já é um grande passo pra Lôlôzinha aqui voltar à forma. – ele dá
um tapinha nas costas de Helô e pisca pra nós, que damos risada enquanto ela mostra a língua pra ele de um modo muito infantil.
  – É uma ótima ideia acampar – concluo. – Ou ainda podemos fazer turismo em alguma cidade interessante, o que acham meninas?
  – A gente poderia ir pra uma cidade turística e quem quisesse acampar e fazer trilha poderia fazer isso por lá. – Megan diz, batendo palmas.
  – Maravilha! – Diogo diz. – Não vou pagar com hospedagem, gasto menor! E ainda estou com uma excursão pra fazer hoje com a minha mãe, então é bom poupar. – ele olha pra mim com cara de quem vai aprontar alguma coisa. O que será? – Afinal, serei um grande empreendedor no futuro.
  – Vai vender cópias pirata de jogos no camelô? – eu digo, e ele me mostra a língua como Helô fez pra ele há pouco.
  – Não, sua boba! Vou ser um gamer, não duvide do meu potencial, ok? Preciso investir nisso, portanto, economizar.
  – Então é isso? Turismo e camping opcional? – Helô pergunta.
  – Sim – respondemos em uníssono.
  – Ok, tenho que ir agora. – ela pega suas coisas com uma mão e sai com metade do cachorro-quente na outra mão. – Preciso acompanhar minha mãe na missa agora às 10 horas e depois temos compromisso, não é, Meg?
  – Tinha quase esquecido. – Megan diz. Helô põe o resto do lanche na boca e acena, saindo.
  – Tchau. – dizemos, todos juntos de novo. É engraçada essa sintonia entre amigos, parece até que foi ensaiado.
  – Então gente, agora eu vou ter que expulsar vocês, tenho que me arrumar pra um compromisso e resolver uns esquemas aqui.
  – Nossa! – eu digo, me fingindo de indignada. – É assim que você trata os seus melhores amigos?
  – Pois é – Diogo comenta, me ajudando. – Expulsa igual vira-lata, valeu pela consideração.
  – Gente, é sério, sem zoeira por favor? – Megan pede.
  – Ok, eu acompanho a Luka até a casa dela, tchau! – ele sai com uma pose esnobe engraçada.
  – É, tchau, sua insensível! – eu a abraço antes de sair. – Eu ainda te amo, tá?
  – Tá bom, rainha do drama. Até mais.
  Fomos andando bem calmos pela calçada. Bem, eu estava meio serelepe, me equilibrando na beiradinha e me sentindo a maior criança do mundo. Eu me
sentia tão livre sem aquela sensação triste que tinha ficado depois de terminar o namoro, estava mais em paz comigo mesma. O que estava me incomodando no momento é que já tínhamos andado a metade do caminho e o Diogo não abriu a boca, o que não é comum, já que ele é um tagarela, como eu.
  – Todo o meu dinheiro pelo que você está pensando. – eu digo.
  – Desnecessário, eu falo de graça.
  – Ufa! Economia de 80 centavos, papai vai ficar orgulhoso.
  Ele ri, e me diz: – Tava pensando em que presentes eu trago pra vocês da excursão amanhã.
  – Ah, acho que eu sou fácil de agradar, não sou?
  – Na verdade, o seu eu já decidi. – ele me encara novamente com aquele olhar suspeito. – Estou com problemas pra decidir o das meninas, estou sem ideias, alguma sugestão?
  – Bom, Meg gosta de azul e lilás, e Helô prefere preto e roxo. Eu daria uma camiseta ou uma daquelas bolsas dobráveis, porque é o que tem de mais barato e legal nessas feirinhas. Ou um fone de ouvido, o delas quebrou há séculos.
  – Mas fones não são tipo “lembrei de você”, são?
  – São tipo “lembrei que você não tinha e estava sem ideia”.
  – Exatamente o que eu estava procurando! Nossa, você é uma gênia!
  – E você é um bajulador barato! Mas eu te adoro mesmo assim, maninho. Ele suspirou desanimado, e  se  não  estou  enganada  ele  não  estava
brincando.
  – Então, a gente pode sair pra almoçar depois de amanhã? Vou voltar da viagem e aí já te entrego o presente, você escolhe o lugar.
  – Nossa, tá muito bonzinho pro meu gosto, tem alguma coisa aí e você vai me contar depois da  – Ah.. ok, tudo bem. – ele sorriu sem jeito, e acenou para trás de mim com a cabeça. – Está entregue, até depois de amanhã.
  – Até, e se cuide hein? Sem se meter em encrenca.
  – Qual é, sou o filho que toda mãe pede a Deus. E vou sair com a minha mesmo.

***

  – Você vai comer isso tudo? E ainda a sobremesa? – Diogo diz, olhando espantado para o meu prato.
  – Mas são só dois pedacinhos de lasanha, o que tem de mais nisso?
  – Nada, mas o mais especial é que você não liga mesmo pra carboidratos.
  – Comer é vida, Dig.
  – E você vive intensamente, já entendi. E respondendo a sua pergunta de quando chegamos, comprei exatamente o que você sugeriu: fones, camiseta e bolsa, pras duas.
  – Nossa, você é literal demais. – dou risada. – Mas cadê o meu?
  – Feche os olhos.
  – Ah não, essas frescuras não por favor!
  – Então abra bem os olhos. – ele ri, e me entrega uma caixinha de veludo preto, e quando abro me deparo com uma pedra da lua toda entalhada com estrelinhas. É tão linda que fico sem ar!
  – Mas Dig, isso é...
  – Espera. – ele me faz encará-lo e pega na minha mão. – Bom, isso é bem mais importante e diferente pra mim, e eu vou explicar. Depois que você saiu correndo  aquela  noite  eu  também  tive  um  momento  “lâmpada  acesa  na cabeça”, e é por isso que estou te dando isso. Estou te dando o meu amor.
  – Como é que é? – eu pergunto, confusa.
  – É o seguinte... – ele respira fundo, e começa. – O amor é como uma pedra, é forte e resistente, e é duradouro mesmo que se desgaste um pouco com o tempo e as intemperanças da vida, por mais pequeno que seja. Ele também pode machucar se vem com muito impacto, e foi assim que ele começou naquele dia que você estava com duas rodelas pretas na cara. Eu camuflei esse amor em uma amizade porque sabia que você era de outro cara, e fui feliz por te ver feliz, mas nesses últimos tempos isso voltou à tona, porque você estava mal, e eu sabia que podia te fazer feliz. Não quis te incomodar com isso antes por ver o quanto você ainda estava sofrendo, não pretendia encher sua cabeça com mais coisas pra pensar...
  Bem no fundo, agora eu sentia, o meu coração perdia um pedacinho pra ele. Ele estava me cativando, e eu sabia.
  – Dig, eu...
  – Não, me deixa terminar por favor – ele suplica. – Se eu parar agora, talvez eu não consiga mais falar tudo. Bem, diamantes são os mais recomendados para a mulher amada, mas eu não sou nenhum milionário que pode te comprar o mundo em suaves prestações, então comprei essa pedra, pra que o que eu sinto te ilumine nas horas sombrias. E já que o amor que a gente sente nunca pertence a nós, e sim a quem a gente ama, eu estou te entregando o meu amor pra fazer o que você quiser, sabe? Pode dar a outra pessoa, pode guardar, usar com carinho ou até jogar no lixo, porque é seu. Se não puder ficar comigo eu vou me sentir satisfeito apenas por ser seu amigo, afinal, eu ainda poderei estar por perto e te ajudar com o que precisar, eu vou sempre estar aqui pra te apoiar. E é isso, eu amo você, Luka.
  Ah, Diogo... como é que eu pude não perceber?
  – Diz alguma coisa, eu estou começando a achar que estraguei tudo. – ele diz, e eu o beijo. Não foi a sensação esperada, foi algo a mais. Foi algo como encaixar a última peça do quebra-cabeça, mesmo sabendo que teria que desmontá-lo algum dia. Eu sabia que amar era correr o risco de quebrar, e que todos nós somos tão imperceptivelmente frágeis que somente a sensação de que pode dar certo nos fortifica e nos leva mais longe. Eu só podia sentir aquele gosto doce de suco de abacaxi com hortelã que ele havia bebido e suas mãos gentis na minha nuca, com os dedos enroscados no meu cabelo, enquanto aquelas malditas borboletas começavam a voar dentro da minha barriga. Me afasto e encaro seus olhos brilhando.
  – Tem algo de errado na sua teoria, jovem senhor.
  – Tem? – ele me olha, estupefato. – O quê?
  – O amor não pode ser apenas uma pedra, ele cresce.
  Ele bate na testa, como eu sempre faço.
  – Putz, que mancada! – e enquanto estamos rindo meu estômago ronca.
  – Sabe, eu tenho um dinossauro impaciente e esfomeado dentro de mim, e eu preciso alimentá-lo, ele já está protestando. – digo.
  – Ah, agora eu entendi essa comida toda. – ele ri, e me beija na testa. – Vamos comer!
  – Só mais uma coisinha... – eu falo, e ele me encara com a boca cheia, fazendo que sim com a cabeça. – Obrigada por partir meu coração. – eu digo, e sorrio. Ele levanta uma sobrancelha, e deu pra ver que não faz a mínima ideia do que estou falando.
  – Como assim?
  – Depois eu te explico...

  E lá vamos nós de novo! ;)

O Colecionador de CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora