Começa a chover, sinto resquícios de chuva me alcançarem antes que eu bata a porta atrás de mim. O barulho que ela faz é ensurdecedor, e ecoa por toda a enorme sala vazia a minha frente. O que eu estava fazendo comigo mesma? Corro para o meu quarto começando a botar em prática tudo que eu havia pensado em fazer cinco meses atrás, mas o amor, a vontade que desse certo, a esperança que fosse realmente dar certo, me impediram. Me cegaram. Puxo todas as fotos de dentro da primeira gaveta da minha escrivaninha, elas estão envoltas por uma fitinha vermelha e eu a arranco sem dó, imaginando eu, que as fotos talvez pudessem sentir a dor lancinante que apertava o meu peito. Ele não era uma realidade minha. Encaro aqueles olhos e o sorriso cínico. Como pôde? Rasgo a foto ao meio e sinto a dor apertar mais um pouco... era o meu coração. A medida que eu concluía toda a trama, a dor parecia se esvair.Na verdade eu sabia, sabia que ele não era, e nunca seria meu. É que a verdade dói, dói muito mais do que perder. Dói porque você não tem mais escolha e sabe que o que está vivendo não é real. Mas eu o amava, eu o amo, e tudo aquilo tinha sido real para mim. Todo o amor, todos os passeios de mãos dadas, todos os olhares cúmplices, todas as noites em claro apenas conversando, todo o silêncio preenchido apenas pelos nossos corpos, o toque da sua mão na minha cintura, todo o carinho, todos os sorrisos encantados que agora não faziam sentido algum. Sinto as lágrimas rolarem no meu rosto com certa repugnância. Era por causa dele. Eu não tinha mais forças para lutar contra elas, estavam aguardando esse grande momento de liberdade há cinco meses. O que eu mais queria era estar tão livre quanto elas.
Eu o tinha conhecido em uma rua qualquer. Nos esbarramos e ele derramou café sobre mim, educadamente me ofereceu sua echarpe, e o número de contato. Eu não liguei, claro. Nunca fui de ligar para homem algum. Para minha surpresa, semanas depois descubro que ele frequenta o mesmo café que eu, localizado perto da minha casa, eu que nunca o tinha percebido, mesmo com tamanha presença e beleza. Sua pergunta sai cortante.
— Porque não me ligou? — ele perguntou enquanto sentava na cadeira a minha frente descaradamente.
— Não achei que fosse importante — dei de ombros enquanto soprava pacientemente meu café.
— Poderia saber seu nome?
— Na verdade não. Mas minha mãe me educou muito bem — solto um risinho — Amelie Houston. — apenas aceno com a cabeça.
— Josh Garl. — ele sorri de orelha e eu apenas o observo — Eu quero sair com você.
— Hum — apenas aceno— eu teria que aceitar e não tenho muita certeza disso.
— Porque não?— ele perguntou desconfiado.
— Porque você é um estranho que derramou café sobre mim. — tomo um gole do café.
— E isso me incrimina de alguma forma?
— Talvez sim... — suspiro— Você manchou meu cardigã. — finjo um tom ofendido e ele ri abobado.
— Isso não seria problema, compraria outro pelo encontro. — levanto uma sobrancelha e o encaro.
— Desculpe, minha presença não está a venda. — sorrio falso e volto a tomar meu café.
— Não estou tentando comprar, e se estivesse a venda com certeza não teria com o que pagar. — eu simplesmente o olho por cima do copo de café — Mas gostaria de sair com você qualquer dia desses.
— Vou pensar. — dou de ombros.
— Então me passa seu número. Por precaução sabe — ela solta uma risada doce — não é certeza que você me ligue.
— Não é mesmo. — e eu apenas saio do café, sem lhe dar número algum.
Eu liguei para ele semanas depois e nós saímos. Quem realmente pensou que aquele homem cortês, gentil e extremamente interessante, fosse acabar sendo um tremendo canalha? Bom, pelo visto, eu não. No dia que ele deu aquele sorriso eu percebi que estava em apuros, mas sempre fui uma mulher sensata, me contive. Até ele me ganhar com seus encantos. Amaldiçoo cada letra de música, cada passada de mão no meu cabelo, cada olhar furtivo e cada sorriso apaixonado. No final, era tudo mentira. Há cinco meses atrás eu havia descoberto toda sua teia de mentiras, mas não tinha conseguido superar, vivi com a ilusão de que ele voltaria para mim, de que ele me amava, de que perceberia a burrada que fez, mas assim não o fez.
Eu que sempre fui tão segura de si, sempre alerta, determinada, fugaz e estratégica em tudo, me deixei cair nos encantos de um certo homem. Como eu fui burra. E enquanto eu estou aqui chorando, percebendo a realidade , sentindo-a quase palpável ao meu redor, ele está com ela, no mesmo café que flertou comigo, no mesmo café que trocamos palavras de amor, no mesmo café que ele cantou pra mim. Agora ele leva ela, lança todos os olhares apaixonados para ela, e solta suspiros de êxtase por ela.
Sinto as lágrimas secarem por sobre o meu rosto, passo a mão para conferir e a pouso na minha testa. Fecho os olhos e lembro de tudo. Das viagens, das festas, dos aniversários, e aquele Josh amoroso estava sempre lá, fazendo morada, e visitando constantemente as pessoas, como eu. Só não pensei que ele fosse fazer visitas para outras mulheres, só não pensei que em uma dessas visitas, ele quisesse fazer morada. E enquanto hoje, eu apenas relembro os momentos que passamos juntos, ele está com ela construindo outros milhões de momentos maravilhosos. Eu sou uma tola não sou? Cinco meses e eu ainda estou aqui, sentada escorada na minha cama, chorando, porque ele me deixou.
Só que não é fácil quando se ama. E ele nunca me amou.
Inspira. Expira. Você supera Amelie. Onde está a mulher liberta e desenvolta que existe dentro de você? Não, não se desespere. Eu sei que ela está ai, só dê tempo ao tempo.
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Sentindo - crônicas
Teen FictionLivro de crônicas. Eu tenho um certo fluxo de informações extremamente grande dentro da minha cabeça, e muitas vezes não consigo organizá-los. Como exemplo, o fato de sempre surgirem fatos, cenas, pequenas histórias, personagens na minha cabeça que...