Missy era linda. Não sabia, mas era. Tinha um sorriso encantador, e uns olhos de tirar o folêgo de qualquer pessoa. Sua risada, vazada pelos cantos da boca davam a sensação de saciedade e felicidade pura. Missy era linda além de sua beleza estética. Não sabia, mas era. Tinha uma cicatriz no canto da esquerda sobrancelha que me levava para outra dimensão, e uma pinta bem no meio da bochecha que a fazia parecer uma doce criança. A forma como ela balançava os cabelos, seus cílios superior e inferior se encontrando depois de uma simples piscadela, a forma como ela olhava para uma criança, o castanho dos seus olhos que oscilavam de um castanho claríssimo até o tom mais escuro, seus dentes inferiores meio desenfreados, e o seu dedão do pé gordinho, tudo nela era lindo e ela não sabia. Encontrei-a por acaso em um dia de caminhada no parque da cidade, ela meio cansada, com o fiapos de cabelo escapando através de um cocó, mas com o rosto totalmente iluminado, sentou-se próximo ao banco em que eu, sentado, lia um jornal velho de anos atrás, ela retirou os fones do ouvido, olhou pra mim e me cumprimentou sorrindo abertamente, sorri de volta e não parei de olhar. Ah, como ela era linda. E mesmo assim, ainda não sabia. Conversamos um pouco e ela perguntou das notícias, fiz algum tipo de piada sem graça e disse que o jornal era de anos, nada que lhe interessasse e ela me surpreendeu dizendo que amava história, e de que com certeza queria saber o que eu lia. Trocamos contato e nos encontramos sem querer mais algumas vezes no parque; para ela um simples acaso, para mim, a estratégia para um dia mais feliz. Dias depois recebo uma mensagem, e lá estão as letrinhas formando a frase que não tive coragem de escrever, sequer enviar. "Vamos sair qualquer dia desses?". Que linda Missy! Você é tão linda. Meu coração batia violentamente contra a caixa toráxica, e doia tanto que pensei que não conseguiria ao menos responder sua mensagem. Mas consegui e disse sim. Saimos, conversamos, comemos peixe, falamos sobre política, moda, economia, beleza, filmes e o tio que passava na frente do restaurante vendendo picolé, ela comentava o quanto queria provar daquele picolé um dia e eu só reparava no seu perfil e sorriso de canto lindíssimo, ah como Missy era linda, por fora belíssima e por dentro quem sabe uma Miss Universo. Andamos um pouco na orla da praia em frente ao restaurante e o tio do picolé passa, acanhado compro um para ela, na esperança de que ela perceba o quanto quero também que ela experimente daquele picolé, segundo o tio, feito naturalmente em casa, da fruta e muito bem conservado. Aprecio enquanto ela dá uma grande mordida, e com os olhos fechados saboreia cada pedaço e sorri feito criança, ao abrir os olhos pergunto se é realmente bom, ela olha para mim, de volta para o sorvete e para mim de novo. "Poderia dizer que é o melhor sabor de todos, mas ainda não provei do teu beijo". Missy me fez ficar vermelho do dedão do pé, até cada espacinho da minha cabeça onde não tinha cabelo, depois rimos e continuamos andando, conversando sobre a orla e eu mal ouvia sua voz, só reparando na forma como ela gesticulava rapidamente, me fazendo rir. "Mas do que você ta rindo?". "Você. Quero dizer, você é engraçada". "Mas eu to contando como meu gato morreu." E depois disso caimos na areia de tanto rir. Deitados, passamos horas e horas somente observando as estrelas, em algum momento o silêncio era tão profundo que pensei que ela tivesse dormido, mas era tão confortável, que não ousei verificar. Deixei-a em casa, beijei sua mão, na promessa de uma próxima saída. Semanas se passaram e não a vi mais. Voltei a ir nos mesmos horários para o parque, até cheguei a ir mais cedo e voltar mais tarde, mas não a encontrava. Mesmo temeroso, achando que ela não queria nada comigo, decidi ao menos arriscar sua amizade. "Oi Missy, lembrei do dia em que saímos e me diverti bastante. Que tal outro passeio? Saudades." Eu sei, parecia desesperado, e realmente era. Como resposta recebi o silêncio e tive certeza de que ela não queria responder. Os dias se passavam e tudo me lembrava ela, nos vimos poucas vezes, conversamos bastante, mas a conexão foi profunda, por mais que agora não parecesse nada, constumava agradecer a Deus por ter conhecido uma mulher tão incrível, inteligente e linda! E com era linda minha Missy! Voltei ao parque para ler meus jornais velhos e alguém me abordou. "Oi, você que é o amigo do parque da Missy?". Ri e baixei a cabeça, rindo da criatividade da Missy. "Sim, acho que sou eu". "Ela pediu que eu te levasse para vê-la". Gelei. Porque ela não poderia me ver? E o que tinha para não poder ao menos responder? A mulher provavelmente percebeu meu pânico e segurou minha mãe, pediu que eu me acalmasse e me levou para seu carro, a todo tempo pensei em como Missy estaria, fechando os olhos lembrava de cada detalhe seu, seus olhos, nariz, cabelo, voz, gesticulação e ria. Chegamos ao lugar; um hospital. Coloquei a mão no peito esquerdo, na esperança de segurar meu coração que nesse mesmo momento implorava para sair daquele lugar e correr para os braços de Missy. Entramos e a mulher continuou segurando minha mão, ela não sabia, mas aquilo me angustiava ainda mais. A todo momento pensava que eu perderia a chance de dizer o que quis desde o momento em que Missy sentou ao meu lado naquele banco, parecia loucura mas eu amei Missy desde aquele momento. Paramos em um corredor e a mulher falava com alguma enfermeira, dobramos alguns corredores e paramos de frente a uma porta. Fechei os olhos e respirei fundo, tudo que eu queria naquele dia era ler um jornal velho. Fui puxado para dentro. "Matt". Ouço a voz, o som mais bonito que já ouvi. Abro os olhos e vejo uma Missy ainda mais cansada do que o dia em que a vi pela primeira vez, meu reflexo é correr e agarrar sua mão. Olho no fundo de seus olhos e sinto uma profunda vontade de chorar, e lançar tudo para fora, mas ela não merecia isso. Não merecia que eu a perturbar-se com todo esse meu sentimento barato. Ela me olha com serenidade, força e não sei, mas parecia afeto, um afeto diferente. "Precisava de você aqui". "Não se preocupe, não vou mais sair". E não sai, pelos dias que se seguiram, permaneci. Missy me disse que tinha tido câncer a alguns anos, e agora estava com suspeitas de um novo tumor ter se instalado. Tentei não me abater e apenas permanecer, Missy estava cansada, fraca e frágil e mesmo assim continuava linda, irrandiando todo aquele lugar. Ela não sabia, mas eu quem precisava dela, ela não sabia, mas ela quem estava me salvando, eu sentia que precisava dela. Alguns dias depois o diagnóstico foi dado, e sim, Missy estava com um tumor instalado no rim esquerdo. A cirurgia foi marcada para alguns dias depois e Missy se manteve esperançosa, transbordando toda esperança para mim também. Missy era linda, meu Deus como era linda, um dia antes da cirurgia colocou uma touquinha verde, uma avental azul e alguns sapatos amarelos nos pés e fez um "desfile de moda" no quarto, revelando a nova moda para aquela Ala, fizemos festa e ri muito de com Missy, e admirei muito como Missy era maravilhosa, até que uma enfermeira chegou com um envelope. "Você tem outro tumor, temos que tentar primeiro quimioterapia". Em dias, Missy chorou. Aquilo devia ser terrível para ela. Me escondi e chorei também, mas meus olhos inchados e vermelhos mostravam o quanto aquilo também me doia, e Missy, tão forte, só tentava me passar força também. No dia seguinte o tratamento começou, os reflexos da quimioterapia eram fortíssimos, e me obriguei a ser forte ao ver a mulher que eu sentia tanto amor passar tão mal ao meu lado, levantei-me várias noites da madrugada para ajudá-la, e me manti forte, por ela. Algumas semanas se passaram, e seus cabelos começaram a cair, nunca tinha visto algo daquela forma, caiam aos montes, quando ela dormia uma noite, alisei seus cabelos e um monte de cabelo do topo da sua cabeça veio na minha mão e me desesperei, ela acordou e olhou o que tinha acontecido. "Uma hora isso iria acontecer". Seus olhos se encheram de lágrimas e ela virou pro outro lado, senti uma vontade enorme de agarrá-la nos braços, mas o momento impedia. Missy continuava linda, mas a cada dia que passava mais frágil e cansada, já estava totalmente sem cabelos e eu não conseguia ver um defeito sequer nela. Uma enfermeira chegou certo dia e disse que um dos tumores tinha diminuído, a cirurgia seria feita. Apertei sua mão e sorri, seu sorriso transparecia alívio. No dia da cirurgia, ela parecia estar pronta para uma batalha e eu não entendia bem, mas ela entendia por isso a apoiei, estive sempre firme e a postos. "Obrigada Matt, sempre soube que era você, mas não sabia que era tanto". Ela me disse olhando para mim através do espelho. "Foi você desde o dia que você sentou do meu lado naquele banco Missy, tudo em você me fez feliz, ali mesmo". "Matt eu te amo". Então ela disse e eu não me contive, levantei-me da cadeira de onde estava, parei de frente para ela, tomei suas mãos e toquei levemente seus lábios, em um beijo embalado e doce. "O sabor do seu beijo é o melhor de todos". Ela disse aquilo e eu chorei. Chorei por que eu a tinha, e porque eu significava algo para ela, e porque ela significada uma parte de tudo para mim. "Eu te amo Missy". Nos beijamos mais uma vez e ela foi para a cirurgia. Foi e não voltou mais. Missy estava cansada e frágil pelos remédios, não suportou e eu também não. Cai chorando esperneado sobre os pés da enfermeira que me deu a notícia, gritei o tempo todo por ela. Eu não podia tê-la perdido, não tão cedo, tínhamos uma vida toda, mas a perdi. Missy se foi e levou consigo toda energia que tinha trago para minha vida. Passei dias prostado, chorando, querendo-a de volta, sem acreditar no que tinha acontecido. Eu só precisava dela. Era tudo e bastava, mas Missy se foi. No velório lá estava, seu rosto lindo, a cicatriz na sombrancelha esquerda, a pinta a bochecha, os lábios, era ela e ainda assim não era, tudo que estava ali dentro já não existia mais, e isso me corroía. Vivi dias terríveis após a morte de Missy, a mulher a quem amei. Alguns meses depois decidi viver um dia de cada vez, eu sabia, ela me queria bem e vivo e feliz e enérgica e amável em tudo como ela sempre foi, ou como a conheci. Mas busquei viver um dia de cada vez. Hoje sei, jamais conhecei mulher como Missy, tão linda! Que se foi sem saber o quanto sua beleza mudou meu mundo. Mas viverei a ponto de ser o homem que não pude ser para ela. Porque eu amei, desde aquele sorriso irradiante no parque, eu amei Missy.
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Sentindo - crônicas
Teen FictionLivro de crônicas. Eu tenho um certo fluxo de informações extremamente grande dentro da minha cabeça, e muitas vezes não consigo organizá-los. Como exemplo, o fato de sempre surgirem fatos, cenas, pequenas histórias, personagens na minha cabeça que...