Deixou escapar um suspiro alto sem querer. Foi o que bastou para que a mulher mais velha ralhasse:
- Você não é paga para sonhar, menina! Termine logo essa limpeza!
Com os olhos muito arregalados, Nora sacudiu o espanador que tinha nas mãos com muito mais velocidade e presteza. A última coisa que queria era que a outra fizesse queixa. Não fazia nem um mês que estava ali, em seu primeiro emprego. Na casa onde sua mãe durante tantos anos havia sido cozinheira. Antes de tê-la. Na verdade, havia deixado o emprego exatamente por estar de "bucho cheio". História que a mãe nunca lhe contara, apenas juntara fragmentos, buscando alguma pista sobre o próprio pai, de quem a mãe jamais falava e que a menina nunca chegara a conhecer. O pouco que sabia tinha ouvido de forma furtiva, esgueirando-se atrás das portas ou pelos cantos das paredes, quando ninguém lhe notava a presença. Coisa fácil e habitual quando era criança e que havia mudado subitamente... Assim que começou a botar corpo.
- Nora está virando moça.
O padrasto repetiu inúmeras vezes, avaliando-a de cima a baixo, de um jeito diferente. A inocência de Nora tornava impossível compreender o súbito interesse completamente, mas seu instinto era o suficiente para que sentisse uma estranha repulsa e necessidade de se manter longe do homem que nunca lhe dispensara uma palavra ou olhar a vida inteira, e que agora passara a sempre observá-la atentamente.
Nada precisou dizer. A mãe via, percebia e temia pela filha. A única mulher de seus seis bebês. Precisava protegê-la. Assim sendo, fez o que tinha que fazer. A menina não precisava mais de escola, já conseguia ler, escrever e contar. Era mais do que qualquer um deles era capaz de fazer. Estudar para quê?
Nora então foi trabalhar como arrumadeira. Em troca de três refeições completas por dia e lanches bastante generosos no meio, um quarto que dividia com a cozinheira e a copeira, e uniformes que eram as primeiras roupas que possuía sem terem sido de outras pessoas antes e que não continham manchas, partes cerzidas ou remendos. O parco salário enviava para a mãe e os cinco meio irmãos.
"Eles precisam mais do que eu."
Naquela noite em especial, estava ansiosa, nervosa e feliz. Como nunca antes estivera. Tinha um encontro. Seu primeiro. Com o filho da casa, um moço mais velho do que ela, que parecia um artista de cinema. De manhã cedo o rapaz havia lhe dado um pequeno chocolate com um recheio que Nora não soube identificar, mas que explodiu em sua boca em mil sensações deliciosas e completamente desconhecidas ao seu simplório paladar.
- Me encontre no jardim depois do jantar, perto das roseiras, e te dou mais.
Foi a promessa dele antes de se afastar.
Nora guardou o papel cuidadosamente. Primeiro nas dobras do avental e mais tarde entre as páginas de seu diário.
Depois ficou a espera...
De que seus sonhos românticos, alimentados pelas revistas que lia e as novelas que ouvia na rádio finalmente se concretizassem.
No entanto, a realidade não foi, em nada, poética. Entre assustada e humilhada, tentou desvencilhar-se da boca e das mãos invasoras dele. De nada adiantou chorar e implorar para que parasse, nem repetir soluçando:
- Não! Me solta! Eu não quero!
Sua saia foi levantada e o moço cujas feições já não possuíam mais nada de belas tentou tocá-la... De uma forma que não devia, não podia ser certa.
O grito que a salvou veio de fora:
- Luiz Octávio, o que você está fazendo?
Ao ver a noiva se aproximando, o rapaz imediatamente a soltou e, ainda aos prantos e em completo pavor, Nora caiu no chão, sobre os próprios joelhos.
- Pelo amor de Deus, Eduarda! Você não pode...
O que quer que fosse dizer, se perdeu. Interrompido pela bofetada que levou.
- Eu não posso o quê?
O rapaz levou a mão direita ao rosto e esfregou o lugar onde a noiva o havia acertado:
- Seu comportamento não é o que eu espero de minha futura mulher.
Ela o enfrentou, sustentando o olhar dele... De igual para igual:
- E o seu não é o que eu espero de um ser humano.
Ele piscou, indisfarçavelmente perplexo:
- Quê? Como é?
O sorriso dela continha... Muito mais do que alívio, prazer e felicidade:
- Pode considerar o nosso compromisso desfeito.
Independência.
Segurança.
Superioridade.
Nora nunca tinha visto isso em uma mulher antes.
Da mesma forma extraordinária, os olhos da outra buscaram e encontraram os dela:
- Você está bem?
Nora apenas sacudiu a cabeça aquiescendo, inteiramente incapaz de qualquer outra coisa além de desejar... Ser como ela.
GOSTOU?
Adquira o seu exemplar (livro ou ebook): http://www.diedraroiz.com/p/sempre-em-meu-coracao.html
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sempre em meu Coração
RomanceQual é o tempo do amor? Muito jovem ou já se passou da fase, dias sem fim ou eterno enquanto dura, um evento moderno ou um acontecimento livre das amarras do tempo? Nessa história romântica, com ares do Rio de Janeiro da década de 1940 - época em q...