Enquanto Nora colocava os pratos e talheres na enorme mesa do refeitório, Maria Lúcia andava ao redor dela, saltitante e tagarela como sempre. Imersa em seus próprios pensamentos, que divergiam completamente dos interesses da amiga, só ouviu a última frase:
- Ai, ele é um sonho!
Desnecessário escutar o resto para saber a quem ela se referia. Paulo, por quem Maria Lúcia estava perdidamente apaixonada fazia tempo, e que nos últimos dois meses havia se tornado seu namorado. Em segredo, obviamente. Pois se Madre Desterro ou uma das freiras sequer desconfiasse...
Podia até ouvi-las cochichando escandalizadas:
"A filha de uma das famílias mais ricas e tradicionais... Engraçando-se com um rapaz que... Entrega a correspondência do colégio... E além de pobre é... De cor!"
Alheia aos efeitos e resultados que aquilo poderia – e iria, Nora tinha certeza! – acarretar, Maria Lúcia permaneceu imersa em seu mundinho perfeito de princesa a quem nunca havia sido negado nada:
- Olha o que ele me deu...
Puxou o cordãozinho de ouro que sempre trazia no pescoço, lembrança de sua madrinha de crisma, e mostrou para Nora... O anel de latão pendurado junto a sua medalhinha de Santa Terezinha, de quem era muito devota.
Beijou o anel apaixonadamente antes de guardá-lo de volta junto ao coração.
- Maria Lúcia, o que você quer que eu lhe diga?
Olhou aflita para aquela que nos últimos sete anos, havia sido sua única e melhor amiga. Desde que o pai dela tinha decidido enviar as duas para o mesmo colégio interno. Movido pelo remorso, ou para compensar o que quase havia acontecido ou talvez... Como Nora gostava de acreditar... Por sugestão da ex-noiva do filho.
O fato é que, a despeito de ter que trabalhar nos intervalos do estudo e viver na ala das alunas mantidas por caridade, para Nora havia sido... A melhor coisa que já lhe acontecera.
A voz de Maria Lúcia a trouxe de volta à realidade:
- Não diga nada. Eu sei muito bem o que você pensa.
Segurou as mãos de Nora entre as dela, falou numa só respiração, de uma maneira absolutamente fervorosa, fremente e intensa:
- Acha que o amor é apenas uma ilusão, uma besteira. Mas isso é só porque você nunca se apaixonou, apenas. Quando acontecer, Nora, você vai ver...
Nora não permitiu que ela completasse. Soltou-se e, após um olhar reprovador e um aceno em negação com a cabeça, voltou a arrumar a mesa. Totalmente acostumada com a seriedade, a falta de romantismo e o ceticismo da amiga, Maria Lúcia não se deu por vencida:
- Você vai ver que o amor é maior e mais forte que tudo. É capaz de derrotar qualquer coisa e transpor qualquer barreira!
Só conseguiu fazer com que Nora risse:
- Você sonha em ser Julieta. E eu... Me contentaria perfeitamente em ser Jane Eyre.
Maria Lúcia suspirou:
- Ah, Nora! É um romance lindo também!
E Nora franziu o cenho:
- Não era ao romance que eu me referia, mas... Ao emprego.
Fazia meses que procurava. No entanto, ainda não obtivera nenhuma resposta positiva. E quanto mais o fim de seu último ano letivo se aproximava, mais o que tanto almejava - tornar-se professora ou preceptora - parecia... Inatingível.
Afastou seus temores e receios mais profundos com a obstinação que se tornara uma de suas mais fortes características:
"Posso trabalhar. Onde for preciso. Na rua eu não fico."
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sempre em meu Coração
RomanceQual é o tempo do amor? Muito jovem ou já se passou da fase, dias sem fim ou eterno enquanto dura, um evento moderno ou um acontecimento livre das amarras do tempo? Nessa história romântica, com ares do Rio de Janeiro da década de 1940 - época em q...