capítulo 4

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Segunda, 9 de Agosto

  Há muito tempo não dormia assim: tranquila, sonho nenhum a perturbar meu descanso. Tudo tão em paz que até eu duvido. Pela fresta da janela, vejo que ainda é noite la fora. Talvez chova, não sei. Um barulhinho leve da água caindo sobre as árvores da floresta da tia Ana chega aos meus ouvidos. Puquerel se espregussa.

Sorrio. Sinto uma leveza nunca antes sentida nesses quase dezoito anos de vida. Coisa estranha.

Quando tia Ana abre a porta ja estou de pé.

- Oi minha menina ( ela adora me chamar assim), caiu da cama hoje?

- Não, tia. E que fazia tempo que eu não tinha uma noite tão tranquila- sorrio.

Ela também ri. Me abraça e seu abraço me enche de coisas boas. Acho que tia Ana foi a unica coisa boa que Alice colocou em minha vida. Talvez se eu vivesse ao lado dela ( ela, Alice minha mãe), eu não tivesse o carinho que tenho de tia Ana. Alice e gelada assim como esse dia de inverno.

- Está chovendo?- pergunto

- Não, minha menina- ela da um sorriso angelical que é capaz de alegar o dia de qualquer um- Eu que acordei cedo, e resolvi regar um pouco o Jardim e o pomar.

Ela chama de pomar, e eu chamo de floresta.

- Vem, o café ta na mesa.

-Já vou, só deixa eu terminar de me arrumar.

Minha tia são e eu acompanho com os olhos. Há algo nela que eu não consigo alcançar, há algum algum segredo que a a liga a minha mãe, isso eu sei. Porém, não sei direito o que é esse isso, afinal. Parece que ela tem uma ligação que vai além de mim, além de ela ser uma espécie de tutora, de substituta de Alice em minha vida. Tia Ana, apesar de ir a missa todo o domingo, bem cedo ( vai a primeira missa, num ritual que se repete, se repete, todos os domingos), e supersticiosa. Ao deitar, por exemplo, coca sempre diante da porta da casa um prato com cinzas. Cinzas de ervas que ela colhe da floreta ( ou pomar, sei lá). Cinzas que ela diz protegerem nossas casa de todo mal.

Acho meio exótico isso, diferente. Mas gosto de ver que ela sempre se preocupa com a minha proteção.  E me vem a minha mente o sombra que vi descendo do carro do meu pai ontem. Lembro o arrepio que correu a minha espinha, o medo de sei la o quê. E tudo na verdade apenas brincadeira da minha imaginação. Não tinha carro, não tinha sombra, não tinha nada. Apenas o Daniel.

Tia Ana me chama de novo. Gosto muito dela. Gosto que me chame para o café. Gosto que cuide de mim.

Nas festas da escola, nas celebrações do dia das mães, em tudo sempre foi tia Ana que fez o papel de substituta  por vezes, quando eu tinha que fazer algum cartão especial para alguma celebração, nem pensava mais na Alice. Pensava logo em tia Ana. Acho que ela é mesmo, de verdade, a minha mãe verdadeira.

Abro a janela. Olho o pomar da tia Ana. Essas coisas estranhas que me acontecem, no início até me assombrava. Hoje não mais.

Fico achando que os outros não veem o mesmo que eu. Acho que cada pessoa vê o mundo de uma uma forma diferente, afinal os olhos de um jamais estarão no mesmo lugar dos olhos de qualquer  outra pessoa. Minha tia ve um pomar, e eu vejo uma floresta.

Grande, escura, densa.

Nunca ousei entrar nela. Seus ruídos me assustam.

A tia não. Ela entra e retorna dela com frutas dos mais variados tipos em sua cesta. Frutas saborosas, frutas que independem de época, não interessa de e frio ou e calor, tia Ana  traz da floresta escura quaisquer, e todos os tipos de fruta. Basta eu desejar.

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