Capítulo 1

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   Faz tanto tempo desde que eu fui embora. Desde que minha vida mudou completamente e eu nunca mais voltei nessa cidade. Era difícil demais estar aqui.

   Meu pai então... Se sentia culpado por tudo, brigou com minha avó várias vezes, até que decidiu ir embora e me levou junto.

   Eu não reclamei. Não fiz nada. Apenas fui. Eu era muito pequeno para dizer alguma coisa.

   É claro que eu não pretendia ficar fora por tanto tempo, mas os dias foram passando... os meses... os anos. E eu nunca voltei. Até agora.

   Depois de dez longas horas de viagem e algumas paradas, estamos finalmente chegando.

   É claro que meu pai não quis me trazer, e eu não o culpo. Em vez disso, nosso motorista, Joaquim, está nos levando até a cidade. Quero dizer, eu e meu cachorro.

   Tento não me concentrar na estrada. Tento não pensar no meu medo incurável de estar em um carro. Tento ler para me distrair, mas não dá certo. Essa viagem está sendo a mais longa de minha vida. Meu coração bate acelerado a cada árvore que passamos e que nos deixa mais perto de nosso destino.

   Consigo ouvi-lo batendo.

   - No que está pensando? – Joca interrompe os meus pensamentos.

   - Nada.

   Ele me encara pelo retrovisor, franzindo a testa.

   - Que é bom estar de volta. Eu acho.

   A resposta parece convencê-lo.

   - Estou feliz de poder trazê-lo.

   - Eu também – Sorrio pouco animado.

   Dou uma olhada em Felix, deitado no banco ao meu lado e com a cabeça no meu colo. Queria estar tão relaxado assim. Olho para fora, tentando aproveitar a paisagem e me manter sobre controle. Minha mão vai automaticamente ao anel pendurado em minha corrente.

   "Estou voltando. Estou voltando".

   Não demorou muito mais até que finalmente avistasse a placa que indicava nosso destino: Cachoeiras de Maria.

   Agora que nossa velocidade estava muito menor e parávamos, ocasionalmente, em alguns semáforos, pude ver melhor as lojas.

   "É como se nada tivesse mudado" – Digo a mim mesmo, mas sei que não é verdade.

   A lanchonete era azul e não vermelha, os correios nunca tiveram toldos nas janelas, o mercadinho está mais moderno, e o asfalto novo brilha com o sol. Também tem umas lojas que eu não me lembro.

   Percebo algumas pessoas encarando o carro e tentando descobrir quem está lá dentro. É claro que não dá para me ver através do vidro escuro, mas ainda assim seus olhos parecem penetrados em mim e não consigo sustentar o olhar.

   - Por favor, podemos ir logo para a fazenda?

   - Claro – Responde Joaquim, prontamente.

   Volto a me concentrar no labrador marrom ressonando suavemente ao meu colo e olho para o livro intacto que tenho na mão, com a mente vagando longe.

   A aparição de um carro misterioso e caro, pelas ruas da cidade vai ser a fofoca da vez. Todos se perguntando quem estaria ali dentro, embora não houvessem muitas pessoas na cidade que poderiam manter tal carro e com isso, depois de algumas deduções, as pessoas se questionariam sobre quem teria ido até a casa de minha avó.

Agora que VoltouOnde histórias criam vida. Descubra agora