Capítulo 1 - Desejos sôfregos de uma vida

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Segure meu coração, não deixe-o sangrar não mais
Às vezes, o perdão é como um homem em guerra
Hillsong United

Chris

Encaro a cena drástica, logo pela manhã. Uma boca escandalosamente aberta emitindo roncos alarmantes. Baba branca e gosmenta escorrer pelo canto superior dos lábios, trilhando até cair no tórax exposto. Pernas estiradas de qualquer jeito no sofá.

Pior que as dezenas de latas de cerveja jogadas ao chão, era o odor emanando daquele corpo fétido. Ele nunca se importou com higiene mesmo — considerei a ideia de jogá-lo para o chiqueiro; eles sim, combinavam bastante nesse quesito.

Meneio a cabeça, consultando as horas no relógio de pulso. Volto a encarar a figura patética sentindo uma enorme vontade de esganá-lo. Semicerro os olhos, lembrando que não poderia me atrasar para o compromisso.

A vida inteira batalhei para conquistar meus sonhos — embora, faltou muito pouco para eu seguir o caminho da frustração e jogar tudo para o alto.

Enquanto escondi marcas de agressões físicas do meu melhor amigo, jurei comigo mesmo que quando eu crescesse ele nunca mais encostaria um dedo sequer em mim.

Eu só estou esgotado dessa vida. Acordar diariamente e reviver a mesma rotina é uma grande droga — e porquê não dizer, a fusão da conspiração do destino.

Nem compreendo o que me incentiva a continuar vivendo sob o mesmo teto desse "serzinho" miserável. Talvez, seja para honrar a memória de minha mãe. Com certeza ela esteja revirando no túmulo de tanto desgosto pelo estado lastimável do marido.

Saio de casa, caminhando enrijecido na direção da garagem. Olhando para essa moradia recordo de que sou eu quem mantenho isso de pé. Pagar conta e por vezes, tiro meu pai de enrascadas.

Constantemente, gângsteres o tentaram matar, usei minha persuasão ludibriadora; óbvio, tive que pagar certa quantia. Eu poderia deixá-lo morrer simplesmente. Mas, não pude deixar de imaginar o quanto minha mãe se decepcionaria comigo.

Sim, ela está morta. Contudo, dentro de mim cada traço facial seu permanece viva. Os belos olhos amendoados realçavam o sorriso que provocava covinhas nas duas maçãs salientes.

Soquei o volante do carro descontando minha fúria evidente. Contraio as mandíbulas, pensativo. Desejava que tudo fosse diferente, até o "papai do céu" consentir nesse estrago.

Não vou chorar. Nem lamuriar.

Chego no local cerca de dez minutos. Percorro os olhos no aglomerado de pessoas adentrando nos portões, sorrindo e conversando entre si. Respiro fundo, manobrando o veículo no estacionamento reservado aos alunos.

Pego a mochila, ativando o alarme de segurança. Essa belezinha encomendei pessoalmente. A diferença dela para os dispositivos normais é que se alguém quebra o vidro da janela para roubar o carro, o barulho emitido é quase ensurdecedor e tem a capacidade de ressoar por até um raio de quilômetro de distância.

Ajeito o casaco no corpo e rumo para os corredores cheios. Pares de olhos são recaídos sobre mim. Ignoro enquanto ouço burburinhos e suspiros femininos.

Idiotas.

Passei pela porta sem encarar ninguém. Torcia para as horas passarem logo e eu poder comparecer no trabalho e depois treinar muay tay. Assento no meu lugar de sempre, no fundo da turma para revidar olhares alheios.

Vejo meu melhor amigo se aproximando bastante sério. Conheço ele desde a infância e sei que pela expressão de agora, a noite deve ter sido péssima.

Vestígios Do Amor {Completo Na Dreame}Onde histórias criam vida. Descubra agora