Ilusão?

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- Delta... responda... --- Exigiu Felipe, transmitindo pelo comunicador. ---

- Alguém na linha...? Alguém pode me escutar...? --- Perguntou uma voz feminina e roça, parecia entusiasmada e ao mesmo tempo contida. ---

- Não consigo a ouvir direito... transmissão falhando... Gama, Celta, Delta... se identifique... --- Respondeu Felipe. ---

- Não conheço nenhum desses nomes... estou com fome... frio... sem suprimentos. --- Disse a voz feminina. ---

- Está sozinha? Qual seu nome e onde está? Mandarei alguém te buscar... --- Perguntou Felipe, com seu tom de autoritarismo. ---

- Marcela... estou sozinha desde que tudo começou... não sei onde estou... parece um estádio de futebol... as letras estão apagadas, mas tem uma bandeira do Fluminense... --- Respondeu a mulher... ---

Minutos se passaram. Parecia ser três da tarde quando o comunicador começou as oscilações e ruídos.

- Grupo Gama para liderança... --- Ana tenta se comunicar com Felipe ou Grego. ---

- Ainda bem que entraram em contato... tenho uma tarefa para vocês... sobrevivente pedindo ajuda... --- Felipe atende a transmissão e passa os dados necessários para a tarefa. ---

Minutos se passaram, e Luiz tentava controlar suas emoções. Vanessa se ajoelhou na frente do moreno e colocou a mão no queixo do mesmo tentando levantar sua cabeça.

- Eu perdi minha família, mas ainda bem que não os vi morrer... não consigo nem imaginar o quanto é dolorido perder alguém que amamos muito, ainda mais um filho... não sei se Deus me amaldiçoou ou me preservou por não ter um filho... --- Disse Vanessa, seus olhos lacrimejavam. ---

- Desculpa... falei demais... --- Ela finalizou ---

- Você acha que Deus está ligando para nós... se ele ligasse para nós, não estaríamos aqui, não teríamos perdido tantas pessoas... Você ainda não percebeu? É o fim dos tempos... mais cedo ou mais tarde acabaremos no estômago desses cabeças ocas... --- Desabafou Luiz. ---

- Eu não vou discutir religião com você, igual fazíamos na época do colegial... você está irredutível... quando quiser conversar é só me procurar, só não diga que Deus não liga para nós, a prova é você estar de pé e falando... --- Vanessa disse um pouco irritada. ---

- Eu sempre soube o quanto imbecil eu era, mas não adiantava, eu não sabia e não sei como mudar... eu era um nada comparado aos outros... era comparado com aquele outro garoto... Como era o nome dele mesmo? A é... Marlon... sempre queria ser uma mosca para saber o que falavam de mim enquanto não estava perto... quando eu estava no ensino fundamental eu queria ser invisível para ninguém me ofender ou me agredir por ser diferente ou por minhas decisões e palavras... já pensei em suicídio quanto cheguei no ensino médio por minha vergonhosa aparência e minhas conversas... enfim... o quanto imbecil eu sou... a primeira vez que me senti feliz verdadeiramente foi quando eu pensava que tinha amigos... talvez era só ilusão... mas ali foi a primeira vez que me senti amado fora de casa... outra vez, não sei se estava me iludindo... eu sei o quanto não sou normal e não serei... me feri ao tentar ser normal... sei agora o quanto estava errado em tentar ser normal e sei que quem gosta de mim, gosta da maneira que eu sou... como eu queria ter percebido isso antes, não teria me ferido, ferido os outros, não teria me afastado tanto da realidade... --- Luiz se levantou após o fim de seu desabafo, secou as lágrimas, e olhou ao redor, vendo Vanessa à aproximadamente quatrocentos metros de distância. ---

- Ótimo... ainda bem que não escutou... --- Finalizou o rapaz. ---

Os tênis desgastados caminhavam e levantavam a poeira do solo, a semanas não chovia, a seca castigava a terra árida e os poucos sobreviventes. Logo um supermercado foi avistado, as chances de encontrar suprimentos era pouco, a epidemia levou à escassez de alimentos, água e medicamentos. A coronha da pistola produzia um som alto quando era deslizada nas ásperas portas metálicas, grunhidos eram ouvidos.

Vida pós morteWhere stories live. Discover now