Vinte e Quatro Dias Antes do Natal

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Vinte e quatro dias antes do natal

Agarrei a última peça de roupa dobrada no armário e fui obrigado a enfiar de qualquer forma dentro da mala, em um dia normal eu não faria aquilo, mas diante do meu atraso para o vôo não tive muita escolha. Por fim fechei o zíper e com uma última olhada no espelho para conferir a situação atual do meu cabelo caminhei para fora do quarto ansioso pelo que viria a seguir.

Notei que de propósito, ou não, havia uma foto da Carolina jogada na mesa de centro da sala. Talvez mamãe estivesse bolando maneiras de nos unir novamente o que a cada dia eu tinha menos certeza de que poderia acontecer.

Nos últimos dias que passei aproveitando o tempo livre antes do intercâmbio, dividi meu tempo entre ler e escrever, arriscar algumas notas no violão e atender as ligações dela desesperada no meio da madrugada pedindo que eu voltasse. Minha missão, por mais dolorosa que fosse, era colocar as cartas na mesa e concluir de uma vez por todas que aquilo não aconteceria.

Desde então, não acreditei que pudesse vê-la no aeroporto no dia em que minha viagem estava marcada, mas seus fios loiros eram inconfundíveis.

— Está mesmo disposto a me abandonar? — Ela se aproximou segurando meu rosto e notei que estava inchado.

— Já falamos sobre isso. — Retirei suas mãos da minha face e sequei as lágrimas que rolavam incansáveis. — Nós tivemos uma história Carolina, não posso negar. Mas ela chegou ao fim.

Ela suspirou.

— Espero que se divirta. — E, inesperadamente, selou meus lábios e acenou saindo pela entrada.

Respirei fundo, me sentindo ainda pior. Talvez eu fosse o único idiota traído que se sentia culpado. Minha irmã mais velha se aproximou apertando meus ombros.

— Garotinha fingida essa, ainda bem que terminou com ela. — Bufou. — A única coisa boa que ela disse e que ainda podemos aproveitar é o "divirta-se" e é isso que você vai fazer, certo irmãozinho? — Ela sorriu, me puxando para um abraço.

Foi inevitável não sorrir também. Mas mamãe ainda não parecia acreditar que eu ia embarcar em alguns instantes.

— Ben você poderia deixar isso para quando estivesse um pouco mais crescido. — Se aproximou, ajeitando meu cabelo. — E volte a tempo da noite de natal.

Todos em volta gargalharam.

— Mãe eu sei me virar, fica tranqüila. — Afaguei seu cabelo. — Pode deixar.

Passageiros do vôo 641, por favor, se dirijam até a plataforma.

A voz de uma moça soou por todo o local quando me dei conta de que aquele era meu vôo. Alcancei minha mãe e a abracei fortemente, em seguida depositei um beijo na bochecha da minha irmã e saldei meus irmãos rapidamente, diante dos nossos recentes problemas havíamos nos afastado muito nos últimos tempos. Ao contrário dela, que incrivelmente eu tinha mais afinidade para me abrir.

Em seguida arrastei minha única mala pelo terraço e me aproximei da catraca onde entreguei a passagem e alguns documentos para o visto. Após alguns minutos já estava no avião procurando algo para fazer.

— 43, 42, 41. Achei, obrigada moça, mas já me localizei! — Uma voz conhecida soou pelo avião. — Não acredito! Ela me encarou perplexa. — Vejam só se não é o pirralho beberrão. — Ela sorriu, divertida.

— E o garoto que na verdade é garota! — Brinquei, enquanto observava ela pulando para empurrar a mala no espaço reservado. — E ainda por cima é uma anã! — Levantei a auxiliando na tarefa.

— Não lhe pedi ajuda! — Ela murmurou birrenta. — E mais respeito! Sou mais velha que você.

— Estou começando a achar que é mesmo, resmungona desse jeito. — Gargalhei. Notei que seu sorriso logo se soltava também. — O que faz por aqui? — Me sentei no devido lugar e ela fez o mesmo, que por acaso era ao meu lado.

Ela me encarou perplexa.

— Já percebi que você é meio lentinho não é criatura? — Ela se levantou, segurando meu rosto. — Eu vou para o estrangeiro! — Gritou alegre.

Não pude conter a risada novamente.

— Sim, isso é meio óbvio. Esse vôo é direto para o Canadá! — Revirei os olhos, ainda sentindo suas mãozinhas quentes nas minhas bochechas. — Mas a três dias atrás você estava falando sobre o quanto viagens custam caro...

— Está dizendo que não tenho condições? — Ela me soltou, parecendo irritada. Mas em seguida se jogou novamente na poltrona. — E não tenho mesmo. — Sorriu de lado. — Mas graças ao meu incrível poder de persuasão em inglês, consegui um estágio para monitorar uns pirralhos durante um intercâm... Espera, você é um deles!

Meu queixo caiu. Então ela realmente era mais velha que eu, pelo menos uns três ou quatro anos, pois para se conseguir um estágio como monitora de intercâmbio precisava-se ter no mínimo 21 anos.

— É pelo jeito quem vai precisar monitorar você sou eu. — Apontei para seus documentos espalhados pelo chão.

Ela se agachou, pegando tudo.

— Devem ter caído quando levantei para apertar essa sua cara de bebê. — Brincou. — Acho que vamos nos divertir.

Assim que ela se sentou novamente, desviei para o papel que indicava quem era a maluca do bar. Ana Jade Oliveira Gonçalves, 21 anos.

— Eu espero que sim, Ana Jade! — Não contive a risada. Que nome era aquele?

— Ah não acredito que você leu! — Ela se levantou novamente, invocada e começou a me fazer cócegas.

Em seguida tudo que aconteceu foi muito rápido, os documentos voltaram a abraçar o chão, o avião começou a decolar e ela caiu por cima de mim agarrando minha cintura.

— O que está acontecendo aqui senhores? Devo-lhes avisar que aqui não é lugar para isso. — A aeromoça se aproximou, insinuando algo com um gesto.

— Como é que é? Acha mesmo que eu me envolveria com ele colega? É uma criança, não vê? — Apontou para mim, e mais uma turbulência.

Ana Jade voltava a me abraçar.

— Seja lá o que vocês tiverem, só peço que, por favor, senhora, sente antes que aconteça algo mais grave. — A mulher a frente se irritou, alterando o tom de voz. E ela só saiu dali quando se certificou de que a baixinha invocada estivesse presa ao cinto de segurança, eu não parei de rir por um só momento.

— Por que ainda está rindo idiota? Lembre-se de que ainda sou sua monitora!

Aquela ia ser uma longa viagem.

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