Tulipa

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Laura parece um pouco animada assim que lê o nome da música. Também não achei ruim, não era a minha música preferida, mas pelo menos eu sabia que música era. Alexandre, com seu espírito de líder, que as vezes o faz parecer o tipo de pessoa que se acha superior aos outros (o que ele não é) já começou a planejar tudo enquanto tudo o que eu tinha feito era tentar lembrar o refrão da música:

— Amanda, você vai cuidar da gravação, motivos óbvios. A gente podia gravar alguma coisa na praça, não sei, alguma ideia?

— Eu sei tocar violão — Laura diz — Se quiserem eu posso aprender a tocar a música e gravar.

— Perfeito, que dia vocês estão livres pra gente poder se reunir? Onde a gente vai se reunir? Eu acho que podia ser na sua casa, né Amanda? Ou vocês acham melhor em outro lugar? Olha, eu não sei. — Alexandre diz, enquanto eu apenas fico encarando-o durante seu monólogo.

— Qual era a primeira pergunta mesmo? — Quem será que perguntou isso? Se você pensou em mim, 10 pontos pra (insira sua casa de Harry Potter aqui).

— Calma, a gente ainda tem um mês, é bastante tempo pra planejar tudo.

— Já vejo as portas de Hollywood se abrindo. — Ale falou, olhando pro além e fazendo um gesto com as mãos.

— A única coisa se abrindo aqui é o seu papel de trouxa. Ah, e o zíper da sua calça. — Digo, em um tom irônico e um pouco impaciente.

— O QUE? — Ele diz, olhando pra baixo e só então notando que o zíper estava aberto. — PAREM DE OLHAR PRA MIM!

— Isso acontece toda semana. — Sussurro pra Laura, que dá uma risada tímida.

~*~

Assim que chego em casa vejo minha mãe chorando com o celular encostado no ouvido, soluçando algumas palavras inaudíveis. Jogo minha mochila numa poltrona a encarando e caminho até ela, me sentado ao seu lado no sofá. Ela sussurra um "tchau" enquanto tremia um pouco.

— O que foi?

— Sua prima, Emilly... — Camila, minha mãe, diz enquanto seca as lágrimas. — Ela tinha desaparecido a 3 dias, a Luciana (minha tia) achou que ela tinha fugido por conta própria, já que elas tinham brigado um tempo antes... — Ela faz uma pausa, tentando se recompor, já imaginava onde aquilo iria chegar. — Mas hoje o corpo dela foi encontrado na praia...

Fico sem palavras, não sabia como reagir. Não conseguia ficar triste a ponto de chorar, mas também não estava feliz com a morte dela porque não sou uma psicopata ou coisa do tipo, e ela era minha prima, nos conhecemos desde pequenas, então foi um grande choque. Abracei minha mãe e assim ficamos por alguns minutos, até que vamos almoçar.

Nada de interessante acontece no resto do dia, eu apenas fico na internet ouvindo umas músicas e conversando com algumas pessoas. Contei pro Alexandre sobre a morte da Emilly, ele fez uma piada sobre como agora eu tenho o Daniel todo pra mim. Ás vezes o senso de humor dele me assusta.

~*~

O velório de Emilly acabou e as pessoas se dispersaram e se prenderam a conversas sobre coisas desinteressantes. Eu não conhecia quase ninguém lá, já que a maioria eram amigas dela, os únicos rostos conhecidos eram dos meus parentes, do Daniel e do Alexandre, que veio para dar apoio emocional, como ele disse, mas até agora tudo o que realmente fez foi acabar com o meu refrigerante; é pra isso que amigos servem, né?

— Cara olha lá, onde ele tá indo? — Alexandre disse, apontando pro Daniel, que andava entre os túmulos com uma rosa entre os dedos.

— Sei lá.

— Vamos ver.

— O que?!

Mas era tarde demais, já que quando a curiosidade do garoto Alexandre aparece, ninguém consegue expulsa-la, e ele já estava a uns 3 metros de mim, então corro para alcança-lo.

— Você não acha que isso é, ham, invasão de privacidade? — Questiono, como se estivesse meio óbvio — Quer dizer, a gente tá num cemitério, ele deve estar indo visitar algum parente que morreu ou coisa do tipo.

— Você já viu ele com algum parente ou demonstrando algum sentimento? — Ele pergunta, o que me faz perder um pouco o foco de tentar impedi-lo de passar vergonha por ser muito invasivo novamente.

— Acho que não...

— TÁ VENDO? Tudo aponta pra que ele seja um psicopata e matou a família inteira e finge estar arrependido pra parecer normal, já que psicopatas não sentem absolutamente nenhuma compaixão.

Avisto Daniel ajoelhado na frente de um túmulo, encarando as tulipas mortas que foram esquecidas em um vaso ao lado de uma pequena estátua de anjo.

— Você não acha que ele só quer ficar em paz?

— Eu não sou idiota a ponto de dizer pra ele que ele é um psicopata. Quando um psicopata sabe que alguém sabe seu segredo, ele mata essa pessoa, e eu tô bem feliz vivo.

— Queria dizer o mesmo... — Deixo escapar em um sussurro.

— O quê?

— Ah nada, vai lá falar com ele então.

Caminhamos lentamente até que Daniel nota nossa presença, dando um breve sorriso forçado.

— Tudo bem? — Pergunto, minha voz se fragiliza ao perceber que ele estava quase chorando.

— Ah, tirando o fato que tem umas 300 pessoas mortas embaixo da gente, sim, tá tudo bem. — Dan diz, em um tom irônico, apenas continuamos a intercalar o olhar entre ele e o túmulo. — Ah, ele? Nem cheguei a conhecer, mas acho que ia ser uma boa pessoa.

O ar parece ficar rarefeito e meus pulmões parecem se esquecer de como funcionar, o que faz minha respiração ficar pesada. Por algum milagre Alexandre continua quieto, apenas observando a cena.

Aquele silêncio todo é cortado quando eu ouço minha mãe me chamando, olho pros outros dois como se meu olhar desse algum tipo de despedida e vou em sua direção, ela queria que eu acendesse uma vela.

Os minutos seguintes se resumiram a fingir que lembrava daqueles parentes que não via desde quando tinha uns 5 anos em algum Natal; e foi no meio de uma dessas atuações que um Alexandre ofegante me interrompeu, me puxando pelo ombro e dizendo:

— Eu tenho que ir. Agora.

— O que aconteceu? — Pergunto, observando que sua bochecha estava vermelha e seu cabelo bagunçado. — Você tá bem?

— Tô, não se preocupa, não foi nada. — Ele parecia forçar para que sua voz fosse alegre.

— Vamos? — Era Murilo, o irmão mais velho do Alexandre, que se aproximava da gente de um modo indiferente.

— Ah, claro. Tchau Amanda, a gente se vê... na escola.

— É... Tchau.

Ele se vira e seu irmão coloca o braço por trás de seu pescoço, dando uns dois tapinhas em seu ombro. Os observo passarem pelos portões do cemitério e desaparecerem conforme se distanciam.

Olho em volta e percebo que o Daniel não estava mais por lá, então resolvo dar uma olhada melhor naquele túmulo. Não como se eu fosse tirar o caixão de lá, obviamente, ia só ver o nome e esse tipo de coisas.

A primeira coisa que noto é que não haviam mais tulipas no vaso e que havia uma pequena mancha vermelha na estátua de anjo, parecia ser sangue. Haviam desenhos de chupeta, mamadeiras e essas coisas de bebê ao redor do nome da pessoa enterrada.

Gabriel Martins Torres.

Era o mesmo sobrenome do Daniel.

Sinto o celular vibrar no meu bolso e vejo que tinha recebido uma mensagem no WhatsApp da Laura.

[Laura]: Me encontra na cafeteria da Livraria Dois Irmãos.

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