Narciso

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Assim que chego na cafeteria avisto Laura sentada em uma mesa logo abaixo de um quadro de narcisos, ela estava bebendo um daqueles lattes artísticos. Sento na cadeira a sua frente, ela permanece em silêncio. Eu até diria um oi ou coisa do tipo, mas ás vezes é meio difícil puxar um assunto quando tudo o que você consegue pensar é em morrer e, aliás, foi ela que me chamou aqui.

Ela observa a xícara sem nenhuma expressão, e sem explicação alguma ela apenas vai a empurrando com as costas da mão até que ela chega a borda da mesa e se estilhaça no chão, espalhando a bebida quente pelo chão de madeira.

— Ops — Ela diz, sorrindo — Oi, aliás.

— Oi... — Digo, observando um garçom vindo em nossa direção para limpar o que Laura havia feito.

— Fiquei sabendo que sua prima morreu... Emilly, não é? — Ela diz, e foca seu olhar distante em mim — Eu conhecia ela.

— Sério?

— Sim, eu morava aqui quando era pequena, ela era minha vizinha, até que teve o incêndio...

— Incêndio?

— Ah, falei demais, desculpa.

— Ai! — O garçom deixa escapar assim que corta a mão em um dos pedaços da xícara, fazendo uma tênue linha de sangue se juntar ao café.

— Meus pêsames.

— A gente nem era tão próxima, de qualquer jeito — Digo, pegando o celular do meu bolso para ver a hora e percebendo que a bateria havia acabado. Maravilha — Aliás, como você sabia o meu número?

— Pelo grupo da sala no WhatsApp...? — Ela diz, como se fosse óbvio, e realmente era — Uma coisa que eu sempre quis entender são os segredos.

— Como assim?

— Tudo por trás de um segredo, sabe? Você simplesmente esconder alguma coisa de todo mundo, toda hora. É muita pressão, e pra que? Se você não contar pra ninguém quando você morrer é como se não tivesse existido, como se não fosse real. Principalmente quando você esconde que gosta de alguém.

Ela fica olhando para mim como se esperasse que eu reagisse ou simplesmente falasse alguma coisa, o que não aconteceu, apenas fiquei observando o garçom que havia terminado de limpar o chão se afastar com a manga da blusa manchada de sangue.

— Eu sei — Ela sussurra — E é bom você pensar antes de fazer alguma coisa contra mim. Não que você vá, mas é sempre bom dizer antes.

— Do que você tá falando?

— Daniel.

Só aquela palavra fez cada parte do meu corpo se arrepiar e meu coração acelerar.

— E o que você pode fazer? Espalhar pra escola inteira? Eu não tenho vergonha disso.

— Então por que ainda não contou pra ele?

— Porque ele tinha namorada...

— Agora ele não tem mais, então por quê? — Permaneço em silêncio enquanto sinto seu olhar investigar minha alma — Você tem medo de arruinar toda essa sua popularidade e ser conhecida como a insegura que não consegue sequer se expressar.

— Popularidade? Popularidade é pra gente idiota.

— Então por que você se importa tanto com o que vão pensar?

Seu olhar continua a me perturbar e seus lábios apenas emitem frases que me deixam sem saída e fazem as palmas das minhas mãos suarem.

— Bem, acho que a gente começou de um jeito meio, ham, desconfortável, então acho melhor nós começarmos de novo, mas claro sem esquecer essa conversa — Logo ela abre um sorriso que me faz estremecer, já que parecia que realmente emitia algum tipo de felicidade — Oi, meu nome é Laura, qual é o seu?

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⏰ Última atualização: Feb 15, 2016 ⏰

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