Outubro de 1128

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Madrugada de sexta-feira, outubro de 1128. A feiticeira, já sentenciada pela Inquisição após intermináveis sessões de interrogatório, aguardava. Sem saber exatamente se tinha conseguido dormir e estava sonhando ou se aquilo não passava de alucinação pelas últimas torturas sofridas, ouviu um barulho de fechadura e de passos ainda distantes, mas que se aproximavam...

À medida que o barulho dos passos parecia se aproximar, ela recuava para o canto de sua cela. Não conseguia distinguir direito de onde vinham ou a que distância estavam, pois as sessões a deixaram meio surda. Em alguns momentos, os passos pareciam se interromper e o silêncio predominava, para logo em seguida prosseguirem. Ela apertava fortemente seus olhos, tentando evitar que as cenas de instantes atrás revivessem em sua mente, temia a aproximação de mais daquelas sequências de interrogatório.

Agora o barulho de ferros que estalavam podia estar bem próximo...

Muito tempo passou até que ela abrisse os olhos. Nada acontecia.

Como o silêncio se tornou pesado demais, ela resolveu abrir os olhos e foi até a porta de sua cela, que agora estava aberta. Aquilo não deveria ser ato de nenhum inquisidor, pois eles não precisavam ser discretos, principalmente ali. Mais por curiosidade do que por qualquer outro motivo que conseguisse imaginar – desespero? – empurrou lentamente a porta recém-aberta. Estranhamente a porta cedeu. Olhou para o corredor sombrio e não havia nenhum tipo de movimento vindo de nenhum dos lados. Tudo dormia.

A cada passo no corredor, sentia o cheiro da liberdade e se esforçava para evitar. Não queria nem podia se iludir que um dia pudesse encontrar de novo com ela.

Mas, ao alcançar o final do corredor, avistou a tênue luz da madrugada que anunciava mais uma manhã nevoenta. Talvez já estivesse bem perto do equinócio de verão, mas não podia ter certeza, não tinha qualquer noção do tempo em que estivera trancada. Sentiu o cheiro de fora sendo jogado no seu rosto como se fosse um abraço de um estranho.

Depois de tantos dias sem ver o mundo lá fora, com seus cheiros e suas cores, finalmente ela pode sentir o impacto da vida novamente no seu corpo. Pela primeira vez respirou de verdade, com os pulmões plenos de ar até quase explodirem. Não importava quanto suas costelas doíam nem os inúmeros pontos de dor e mais outros tantos em completa e total insensibilidade. Ela queria a vida mais que tudo. Nem podia mensurar o quanto, era somente isso que desejava mais que tudo.

Fugiria para longe de todos, pois ali ela não teria mais paz. Sabia o sofrimento que causaria ao pai e aos irmãos. Pensava também na sorte de não estar deixando uma herdeira, pois esta seria o próximo alvo. Agradeceu por isto. Mas não era a verdade, e Sophia descobriria meses depois.

Eles entenderiam quando, pela manhã, não houvesse o grande espetáculo em praça pública no qual ela seria punida.

Não podia deixar nenhuma pista, pois os comprometeria. Evaporaria no ar como se nunca tivesse existido, o sacrifício valeria sabendo que assim salvaria sua família.

Depois de ter elaborado rapidamente o plano de sua fuga, conseguiu pensar: onde estariam os guardas daquele lugar? Quem havia ajudado a conseguir sua liberdade um dia antes de ir para a fogueira?

A feiticeira e o sacerdoteWhere stories live. Discover now