Sexta-feira - 23 pm
A sensação de estar flutuando, perdendo aos poucos a dimensão do seu corpo, enquanto ele relaxava e aproveitava uma linda viagem por entre as nuvens que se dissipava por seu corpo, confortáveis sensações de recuperar o fôlego após uma longa corrida, os olhos fechados imaginando o céu azul enquanto apertava os dedos sem medo da queda, mas apenas sabendo que não deveria ser real como se realmente pudesse voar.
O corpo levava para fora o que a mente estava cheia, não era a matéria, era a alma gritando por descanso, imaginando se poderia morrer e ficar ali para a eternidade, desejando por fim não existir, até abrir os olhos e se ver de pé em terra firme, agora não mais confiante e protegida, e sim perdida, em uma floresta calma com cantar dos pássaros e uma névoa densa, se imaginando como chegou até ali sem nem ter caído daquela altitude, então desejou voltar, não perdendo tempo correndo por onde imaginou ser o final daquela estrada de terra úmida, sentindo os cabelos balançar, seu corpo responder e ofegar ao parar, a sensação de estar sendo seguida lhe assombrar, e estar apenas só, não era nada ou ninguém, porém, no fundo, sabia, que aquele simples sonho não era tão simples assim.
Despertou ao sentir a noite tomar seu posto, e a temperatura cair, as pistas movimentadas e as luzes se acenderem, levantou sem pressa, sentando e se encostando na parede seca e rígida onde se encontrava, pensando se deveria permanecer mais uma noite naquele túnel isolado, encarando a escada que ligava a pista nova da cidade, muitas pessoas estavam espalhadas por ali, uma noite atrás estava chovendo com grandes rajadas de vento, muitos moradores de rua, migraram para aquele local simplesmente para evitar dormir sob a chuva, eram muitas perdas quando infelizmente não conseguiam chegar a tempo de achar um canto bom e sem pingueira, o túnel ainda estava em obras.
- Deus por favor me livra desse mal, por favor meu Deus não permite deles me atormentar, eu já sofri senhor, eu já sofri de mais. - Seu coração suplicou e sua voz sussurrou, enquanto clamava a Deus.
Se esforçou a levantar, guardou seus pertences em sacolas plásticas enquanto se esforçava para não pensar na fome, vestiu roupas para o frio que dava as caras enquanto caminhava entre as ruas que estavam vazias, a não ser aos poucos carros que passavam pela estrada de asfalto, suas sacolas penduradas em seus ombros, sentindo o peso e os ossos reclamarem de dor, não ousou parar de caminhar, até chegar ao destino esperado, uma praça sem movimento de moradores por conta do horário, sentou-se em um dos bancos disponíveis e colocando as sacolas no chão ao seu lado, observou o céu até perceber que aquela noite não choveria, então se aproximou de um dos estabelecimentos fechados do bairro colocando o papelão arrumado no canto da parede, se sentou logo após colocar as sacolas junto a si, observou os cachorros que passeavam pelo outro canto em busca de comida, já havia apreendido a conviver com eles, não costumavam a ser agressivos, "bons companheiros" pensou ela. Após a sua grande perda, se confortou em não se sentir tão-só, sabendo que a maioria daqueles animais também haviam sido abandonados, conversava com eles logo após a partida da sua companheira Petra, sendo assassinada por uns dos homens que a molestou, Petra era valente e lhe protegia, então num ato de coragem avançou para cima do homem, de qualquer forma ele tinha uma faca e a rasgou, aquilo fez a garota desistir de amar, não era digna.
Algo chamou sua atenção, risadas e passos, o corpo da garota logo respondeu com rigidez, apavorada imaginou estar encurralada, seu medo era que fosse aqueles mesmos homens, mesmo após tanto tempo daquela trágica noite, a cada instante os murmúrios iam ficando mais próximo, com rapaz ela alcançou uma das sacolas retirando dali uma faca, segurou com força e apertando o punho com medo de que suas mãos trêmulas lhe trair, levantou o olhar se certificando de que conseguiria correr caso alguém fosse até si, até notar três sombras apareceram enquanto caminhava para fora de uma das entradas que dava a praça, o sangue no corpo da mulher esfriou instantaneamente, sem direito a reação da fuga ao notar uma das cicatrizes no rosto do moreno que sorria, aquele olhar sóbrio, e mesmo de longe percebeu o reconheceu, o seu agressor.
Aos poucos aqueles homens se afastavam, até que sumiu do seu campo de visão, então a garota finalmente respirou em alívio, sua mão libertou a faca que era fortemente apertada, se ajeitou no canto, passou as mãos nos cabelos bagunçados, sentiu um cheiro doce de perfume e imaginou que poderia ser apenas daqueles homens até notar uma caixa com algumas roupas femininas, olhou para cima e leu a placa preta com um nome em destaque, era uma loja, olhou outra vez para a caixa e se aproximou com cuidado, observando se não havia nada ali que pudesse lhe machucar, pegou uma das peças notando ser umas blusas e calças que estavam com defeito de fábrica, separou apenas o que lhe cabia e guardou em uma das suas sacolas, imaginando se aquilo não era um presente de Deus para si, estava finalmente acreditando que tudo poderia melhorar para si dali em diante.Sentiu sua barriga roncar enquanto passava a mão por cima do tecido abarrotado, não pensar na fome era sua missão durante aquelas noites longas, havia apenas dois pães que conseguiu do último dinheiro que ganhou no metro, e a água que conseguia pegar dos mercados maiores, era o jeito mais humilde que achou para viver.
Pressionou a mão na barriga sentindo uma forte pontada, esperou que aliviasse então se deitou ajeitando-se para comer um pedaço de pão que havia guardado mais cedo para está ocasião, suspirou dessa vez grata, por ter roupas novas que poderia usar quando conseguisse tomar um banho, esperando calmamente a noite virar dia.
"Olha minha Lírio, que linda essa borboleta..." Se aproximou do mais velho com passos curtos ainda assustada com o pequeno inseto de lindas asas azuladas, encarou o homem a sua frente imaginando como ele não tinha medo de nada, e pensou que também poderia ser igual a ele. "Minha Lírio." Olhou para sua filha ainda pequena imaginando que em breve ela seria igual à borboleta, sairia do casulo e voaria com suas próprias asas.
Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto ao lembrar de um momento com o seu pai, sentindo a tristeza em seu peito a jovem se permitiu chorar, seu corpo tremeu aos impulsos, sentou ainda no chão frio agarrando em suas pernas e escondendo o rosto entre os joelhos, enquanto mais lembranças daqueles momentos de felicidade vinha em sua mente, se perguntando se em algum lugar desse mundo o seu pai ainda se lembrava ou sentia a sua falta, se ele a procurou ou se voltou para busca-la após perceber que a havia esquecido, mesmo sabendo que após tantos anos, e tantas idas à delegacia, nada foi achado, e por mais que ela se agarrasse as lembranças do passado somente o que restaria era a saudade daqueles momentos, finalmente caindo a ficha de que Laura estava muito longe de casa.
- Eu não aguento mais... - Levantou a cabeça, limpou o rosto e cruzou os braços segurando os ombros. - Eu não consigo aguentar mais, eu não quero mais aguentar. - Olhou para o céu, agora pouco estrelado e poucas nuvens. - Eu fiz tudo meu Deus, eu juro, eu dei tudo de mim para viver essa vida, por favor, me leva para viver a próxima vida, eu não aguento mais.- Com a garganta fechada, se esforçando para continuar a falar, lágrimas escorrendo, e a voz de choro, a garota ainda em tristeza não notou que no momento não se encontrava mais sozinha, naquela mesma rua, bem do outro lado da loja, ainda curioso se entrava um rapaz, esperando para saber porque aquela moça estava chorando e se poderia ajudá-la de alguma forma, até que a ouviu querendo desistir da vida, seu corpo reagiu automaticamente, porém o impulso de permanecer e não querer assusta-la foi mais forte, e ali continuou, imaginando e pensando que talvez ela tivesse passando por um problema tão grande, que os problemas dele era apenas inúteis, ele simplesmente pensou que teria que ajudá-la a não desisti.
Próximo...
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Longe De Casa
Roman d'amourComo um deja vu, chegando em velocidade, as lembranças daquela vida linda e maravilhosa que ela costumava ter, com um pai amável e uma mãe sem empatia, se encontrava uma pequena menina sonhadora e cheias de desejos, aos poucos sua flor foi murchando...