Encarar a careta da professora Hancock é a "melhor" coisa para o início da volta às aulas. O pior é descobrir que por uma “dádiva” dos céus, farei essa disciplina justamente com esse ser tão pacífico e tolerante. Fico esperando que ela diga algo, nem que seja me expelir com gritos histéricos. Mas isso não acontece, na verdade nada acontece. Nada, além de uma encarada que desejaria me desmembrar só com o olhar. Considero isso como um sinal verde e invado o âmbito, encosto a porta e me sinto encarcerado.Meus colegas ficam me olhando, como se nunca tivessem me visto antes. O que é pouco provável, já que até mesmo quem não conheço, me conhece. É o preço de ser famoso em uma cidade destas. Mas na boa, só estão tão surpresos quanto eu, por não ter eclodido a terceira guerra mundial aqui na sala. A professora no papel de Hitler e eu um pobre Judeu jogado a própria sorte.
Alguns devem estar indo além, se questionando se eu irei faltar tanto quanto no primeiro semestre do ano passado. Infelizmente isso não será possível. Dei adeus a isso faz um tempo, exatamente no segundo semestre do ano anterior, quando meu pai conseguiu um emprego no colégio. Eu não consegui mais cabular, mesmo assim, isso não foi suficiente para recuperar e agora preciso arcar com as malditas consequências por ter repetido.
Encontro um rosto familiar no meio dos outros. Se tratando de quem é, não sei dizer se essa coincidência é boa ou ruim.
Dougie, com seus cabelos ainda mais descoloridos. Deu adeus ao loiro tradicional e adotou cabelos branquíssimos. Combina com quem quer chamar a atenção. Definitivamente ele é essa pessoa. Vejo que também repetiu e nem me admira. Aquele ano foi turbulento para nós dois. Ele faltou várias vezes para cuidar da avó que enfrentava problemas de saúde. É aquele típico netinho da vovó. Talvez seja por isso que às vezes ele haja com tanta infantilidade, no entanto, admiro o jeito que ambos cuidam um do outro, quando não há mais ninguém com quem possam contar.Meu amigo indica uma mesa ao seu lado e é ali que me acomodo.
A aula prossegue daquele jeito de sempre: os alunos calados, o silêncio torturante sob o olhar de supervisão da professora tirana. Dougie me cutuca, olho para ele e depois para frente. Percebo que nossa ditadora não está em seu trono comandando cada respiração nossa.
— Por que não nos reunimos para fazer um motim e derrubar essa mulher? — sussurra em tom de
piada, como se a Sra. Hancock fosse a presidente do país.Pobre idealizador...
— Nem as férias melhoram o humor dela. — Reviro os olhos. Giro o pescoço, com o propósito de olha-lo enquanto estabelecemos esse diálogo, instalado com o único intuito de trazer um pouco de refrigério as nossas mentes atordoadas pela maratona imposta — Primeiro dia do semestre e olha isso. — Bato a caneta dramaticamente no caderno, depois direciono para a lousa cheia. — Precisamos fazer uma vaquinha para enviá-la à Faixa de Gaza com passagem só de ida. — Faço um gesto com as mãos, simulando um avião que em questão de segundos vai perdendo altitude. Ainda visualizo um estouro nuclear em pleno céu, os destroços carbonizados caindo, caindo, em meio a fumaça negra.
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Docemente
Teen FictionMay Fairburn tem uma filosofia. No seu conceito particular, não é obrigatório ter uma grande quantidade de glicose correndo nas veias, para se levar uma vida doce. Ainda mais se isso envolver um certo garoto indócil que exerce uma grande influência...