Miguel

55 9 8
                                    

Estou preparando um lanche. Pão integral com peito de peru defumado. Se você está pensando que estou fazendo esse sanduíche porque estou com fome, está profundamente enganado. Não se deixe enganar, eu estou com fome, mas esse sanduíche não é para mim. É para minha melhor amiga, Amélia, uma garota com poucos escrúpulos, pouquíssimos mesmo. Ela tem um lema de vida ou algo assim, viva a vida e não se importe com nada.  Ela é meia doida, mas tudo o que ela diz no final sempre tem algum sentido.

Uma vez ficamos discutindo horas e horas sobre feminismo (ela é bem ligada nisso), eu defendia o homem (ou pelo menos tentava) e ela ficou falando e falando sobre as mulheres e todas as suas conquistas (as quais não foram poucas). E ficamos nisso até que eu admiti que ela estava certa.

Conhecemo-nos no colégio, e não posso dizer que foi uma amizade instantânea, porque não foi. Ela implicava comigo o tempo inteiro, sério, ela tinha algo com a minha pessoa. Até que descobri que tínhamos várias coisas em comum e a partir daí nos tornamos melhores amigos.

Apesar de Amélia ter um rostinho bonito e tal (não acho adequado descrevê-la mais),  ela é com certeza a pessoa mais convencida que eu conheço. Uma garota que sempre tem estampado no rosto um sorriso, mesmo quando está triste. Ela é bem legal quando quer.

Termino de arrumar todo o lanche, coloco em um pote e guardo na bolsa. O combinado era que eu ia fazer a comida e ela ia levar a bebida para o parque, onde marcamos de nos encontrar. Eu sei que está fazendo muito calor, já que estamos no verão, mas esse é o melhor jeito de sair de casa.

Arrumo tudo e vou em direção a porta. Saio e a fecho. O dia está sem nenhuma nuvem, céu limpo. O que me faz agradecer por ter colocado uma bermuda. Ando sem pressa, não estou adiantado, pois Amélia tem uma mania de sempre se atrasar, o que me faz andar relaxado. E também pelo fato da minha casa ser perto do parque.

Quando chego lá abro uma toalha e estendo na pouca sombra que tem embaixo das tantas árvores do parque.  Sento-me. E espero.

Passam-se dez minutos desde que eu cheguei e é quando avisto ao longe uma garota montada em sua bicicleta praticamente correndo. Amélia.

E parecendo uma doida, retira uma mão do guidão e sacode sem parar para chamar minha atenção. Faço o mesmo. Quando ela finalmente chega até onde estou, joga a bicicleta em um canto e se senta ao meu lado sobre a toalha.

"Está atrasada." Digo, porque sei que ela odeia.

"Foi difícil achar lugar para estacionar." Sorrio ao olhar para sua bicicleta jogada em qualquer lugar.

"Estou vendo." E Amélia me abraça, apesar dela ter pedalado rápido e de fazer muito calor, continua cheirosa. "Trouxe sanduíche de peito de peru defumado com pão integral."

"Você e suas manias saudáveis." Abro a bolsa que trouxe, retiro de dentro dois sanduíches e estendo um para ela. "E como você pediu, água" Ela joga uma garrafa para mim. "Espero que esteja feliz por ter molhado minha bolsa."

"Não seja tão dramática." Amélia faz uma careta.

"Terminei com o Jasper ontem, ele era um panaca." Rio. Sempre odiei aquele cara, ele é o típico cara com músculos e nada de cérebro. Um idiota completo, eu seria bem melhor que ele. Não que eu seja convencido e tal, mas com toda a absoluta certeza eu sou bem melhor que ele.

"O que esse fez?" Tenho que perguntar, por mais que eu o odeie, adoro as história que Amélia conta sobre o por quê dos términos de seus relacionamentos.

"Ele disse que feminismo é um movimento para mulheres sem nada para fazer. Você acredita nisso? Tive que terminar." Dou outra mordida no pão. Hahaha o cara não podia ser mais burro?

"Eu não gostava daquele canalha." Digo com uma voz de nojo.

"Por quê? Sempre achei que vocês se davam bem."

"Ele só estava com você por causa..." E aí eu tenho que parar de falar, mesmo que as garotas gostem de serem elogiadas, odeiam quando o elogio vem especialmente do seu corpo.

"Tudo bem, já sei. Eu não estava com ele por nada diferente. Ele tinha um rostinho bonito." E essa é a Amélia que eu conheço. A garota que não está nem aí para nada.

Ficamos várias horas falando de tudo o que a gente gosta, e só para variar discutindo sobre algum assunto bobo.

Quando o assunto é finalmente esgotado, Amélia deita-se sobre minhas pernas cruzadas e eu instintivamente levo minha mão a sua cabeça arrumando seu cabelo bagunçado.

O seu cabelo é macio, como sua pele e está quente. Ela sempre foi uma garota com personalidade forte e é isso que eu mais gosto dela. É, eu não vou mentir pra vocês, eu gosto da Amélia, mas toda vez que eu consigo coragem para contar para ela, Amélia está com algum cara boa pinta e burro e o mais importante feliz. E eu não quero estragar isso.

Ela se levanta sobressaltada e BUM sua linda cabeça bate com tudo na minha. E com o choque caio para trás.

"Sinto muito." Ajuda-me a levantar e CARAMBA, como que essa garota é bonita e charmosa.

"Já amei? Acho que não, porque nunca tinha reparado na sua beleza antes." Tenho que dizer antes que eu perca a coragem.

"Ahn?" Acho que a citação não saiu tão igual a de Shakespeare. "Você acabou de inventar isso."

"Eu li um negócio desse, foi algo assim que ele escreveu, eu não lembro direito."

"Quem?"

"Um cara super foda." Ela não entende nada. "Shakespeare." Ela sorri e não sei se é o calor, mas me sinto quente de repente. "Um cara bacana, com muitas obras, Romeu e Julieta, Hamlet, O Rei Lear, A Megera Domada.

Amélia está suando.

"Você está bem?"

"Sim, é o calor..." E blá blá blá. Seus lábios não param de se mexer rápido. 

Não sei o que deu em mim, mas sei lá, não pensei nesse momento e simplesmente a beijei.

Quando paramos digo:

"Era a única maneira de fazer você parar de falar."

E em uma velocidade quase cortante ela diz:

"Desde quando você pensa nisso?"

Vish, como sair dessa.

"Bom, na verdade, estou pensando nisso há algum tempo." Não posso dizer a ela que penso nisso desde que a vi se agarrando na porta do banheiro com um tal de Lucas e fiquei com um puto ciúmes.

"Não é estranho para você?" A verdade é que estranho é pouco para descrever.

"Um pouco, mas eu gosto." Sorrio.

"Ainda bem." Agora é ela quem me puxa para mais perto e me beija.

E FOGOS DE ARTIFÍCIO, ela gosta de mim.

Amélia, minha melhor amiga, gosta de mim (espero) que o tanto que eu gosto dela.















Um Amor ImpensávelOnde histórias criam vida. Descubra agora