O maior objetivo de Gabriel na adolescência era salvar o mundo. Quando ele dizia isso para as pessoas que conhecia, elas o acusavam de estar se aproveitando de um chavão muito batido. Além disso, acrescentavam, era pretensão demais acreditar que o mundo poderia ser salvo com o esforço de uma única pessoa. Sem contar o fato de que a maioria falava de boca para fora...
Ele nunca falou de boca para fora...
Ao completar sete anos, chocou sua mãe ao recolher cada cachorro abandonado que encontrou na rua e trazer para o quintal de sua casa, com a ajuda de Murilo, seu irmão mais velho.
Aos dez, inventou um sistema de reciclagem para cadernos e folhas de sulfite usados durante o ano letivo. Chocou os professores.
Com 15, se voluntariou no programa que promovia o plantio de árvores nativas.
Gabriel sempre se sentiu diferente dos garotos de sua idade. Ao passo que os outros estavam ocupados com jogos de videogame, rolês e "pegar geral", o rapaz estava salvando o mundo ao seu redor.
Ele sempre pensou que veio a esse planeta para somar, enquanto a maioria estava concentrada em subtrair
Amava a Terra – cada pedaço de chão, as plantas e os animais. Todo atentado contra ela, Gabriel sentia em seu próprio corpo
Uns o chamavam de louco; ele se descobriu biólogo.
A primeira pessoa que o incentivou a ingressar na faculdade de Biologia foi sua mãe. Um dia, quando ele tinha por volta de dez anos, e ela o assistia transportar insetos "em perigo" no quintal para um lugar mais seguro, comentou com o marido: "Parece que vamos ter um biólogo na família, Jonas". Gabriel, que nunca tinha ouvido falar sobre aquela profissão, mas sabia que a mãe era uma mulher muito inteligente e uma das professoras mais respeitadas de seu colégio, correu até ela para saber quem era aquele "tal" biólogo.
Ela lhe deu livros e lhe descortinou um mundo de conhecimentos sobre o universo fascinante da profissão com a qual se podia trabalhar diretamente na natureza.
Antes de completar 18 anos, e terminar o ensino médio, todos os planos de Gabriel estavam meticulosamente traçados. Assim que terminasse seu serviço militar obrigatório, entraria num curso de Biologia e o concluiria em cinco anos. Em seguida, começaria a especialização em Biologia Marinha, já que, quase ao mesmo tempo em que se descobriu biólogo, se viu um amante do bioma marinho. Se pudesse, vivia dizendo à família, se mudaria para uma praia e, de preferência, moraria numa casa construída sobre a areia, à beira-mar.
Seus planos, contudo, foram estilhaçados antes de sequer prestar o vestibular.
Dor. Humilhação. Caos. Desesperança.
O mundo idílico que ele conhecia desde a infância, e no qual raramente conseguia enxergar maldade, pois crescera numa harmonia familiar e financeira difícil de se encontrar nos dias atuais, ruiu sem qualquer aviso. Quem ele acreditou ser o grande amor de sua vida se transformou em seu algoz.
Sua vida saiu dos eixos e, aos poucos, ele foi perdendo contato com as coisas nas quais acreditava. E teve certeza, por muito tempo, de que nunca mais retomaria os ideais que ajudaram a construir a sua personalidade.
Deixar o passado pra trás, se deu conta um dia, seria a única solução para voltar a ser ele mesmo. Mas essa decisão teve um preço: se tornou rancoroso. E agarrou-se ao rancor como a um escudo que o protegeria de todos os perigos e o manteria inteiro.
Jurou a si mesmo que apagaria, sem deixar rastros, quem tentara o destruir e o fizera perder a identidade por vários anos.
Após desertar do exército, onde permaneceu, estudando e se disciplinando, por quatro anos, quando teve certeza de que não poderia fugir por mais tempo do que nasceu para fazer, Gabriel passou no vestibular para o sonhado curso de Biologia. Dedicou-se a ele de corpo e alma. Mesmo longe da família, em Santa Catarina desde os 20 anos, não se sentia sozinho. Estava acompanhado de sua paixão – aquela que o acolheu de verdade, sem se importar com o tempo em que passaram separados; tão diferente de outra, que lhe virou as costas no momento mais turbulento de sua vida...