O Último Verão

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A espuma do mar fazia cócegas nos seus pés. O vai e vem das ondas a acalmava, como se o mar estivesse preparando Júlia para a conversa que vem adiando por todo o verão.

O sol estava dizendo adeus ao dia, colorindo o céu com uma paleta de cores incríveis, quando ele surgiu no horizonte.

Ele.

Mesmo não tendo a melhor visão do mundo, Júlia sempre reconheceria o andar de Caio. Tudo nele era peculiar. Seu andar, sua fala, sua letra. Tudo. E eram essas peculiaridades que a fazia amá-lo.

Desde que ela recebera a tal proposta de morar no Japão, do outro lado do mundo, os dois vêm adiando essa conversa. Mas hoje era o último dia do verão e, consequentemente, o último dia de Júlia no Brasil. Amanhã ela estaria num avião, com seu corpo a quilômetros de distância de Caio, mas com sua mente e coração agarrados a ele. Triste, mas necessário.

O reflexo do sol batia no seu rosto, fazendo Caio adquirir nos seus olhos um tom de verde-azul extremamente lindo. Ele apressou seu passo e parou ao lado de Júlia, que ainda olhava para o horizonte.

- Não é lindo? - Ela apontou para o céu.

- Com certeza.

Júlia se virou para Caio e passou a mão no seu rosto.

- Vou sentir falta disso.

- Sabemos que é necessário.- Caio segurou sua mão e beijou delicadamente.

- A gente pelo menos podia tentar, Caio. - Júlia olhou nos seus olhos.

- Jú, eu não vou aguentar ter e não ter você ao mesmo tempo. Você vai estar a não sei quantas milhas de distância, não posso conviver com isso.

- Você não me ama?

- Amo! - Caio franziu as sobrancelhas em sinal de confusão.

- Então você aguenta ficar sem me ver. Não precisa ser assim!

- Júlia, me escuta um minuto. - Caio a puxou para andarem pela beira-mar. - Você está vendo o pôr do sol? - Ela olhou para o céu colorido em resposta. - Ele acontece todos os dias. O mundo não seria mundo se só existisse noite ou só se só existisse dia. A lua precisa do sol, assim como o sol precisa da lua. Eu preciso de você, assim como você precisa de mim. Você é o meu sol, Júlia, mas o pôr do sol, ou o adeus, como preferir, precisa acontecer.

Júlia desviu seu olhar do céu e se concentrou em encarar o cordão que Caio sustentava no peito. Era uma corrente de prata que segurava um pingente em formato de meio-círculo. Ela usava uma exatamente igual que Caio, que havia a dado de presente no primeiro aniversário de namoro dos dois. No pingente estava gravado "Para todo o sempre J&C". Ele dizia que não era um anel que os representava; e sim aquela corrente. Ela era a verdadeira aliança dos dois. E em pensar que nunca mais veria a outra metade do seu pingente, Júlia sentia vontade de abraçar Caio e nunca mais soltá-lo.

- Você é um verdadeiro poeta, Caio.

- Não - ele balançou o dedo indicador em resposta - quando se tem você como musa inspiradora, qualquer marmanjo consegue virar um Caio F. Abreu. - Ele riu do seu trocadilho.

- Mas você também é um péssimo humorista. - Júlia declarou, o fazendo fingir incredulidade.

- Dona Júlia, você nunca reclamou das minhas piadas! - Ele levou uma das mãos ao peito.

- Desculpa, foram anos aguentando seus trocadilhos. - Ela colocou sua mão direita no ombro de Caio. - Precisava te dizer isso.

-Estou chocado! - Os dois começaram a rir sem parar, fazendo Júlia se desequilibrar e cair na areia puxando ele. As risadas cessaram alguns segundos depois e os dois passaram a apreciar o mar em silêncio.

- Caio? - Júlia entrelaçou sua mão a dele.

- Oi.

- Eu te amo.

- Para sempre?

- Para sempre.

Caio a puxou para mais perto e a aconchegou nos seus braços. Suas mãos passearam pelo cabelo avermelhado de Júlia e ele fechou os olhos tentando guardar aquela sensação. Ele sabia que deveria passar segurança a ela, que tudo isso era necessário, mas em alguns momentos era pego pela vontade de implorar a Júlia para deixar de morar com sua família no outro lado do mundo e ficar com ele. Mas Caio sabia que não poderia fazer isso, não era justo.

- Se eu sou seu sol e agora tenho que te dizer adeus, um dia nascerei para você de novo?- Júlia perguntou de repente. Caio parou para pensar numa resposta a altura dessa pergunta um tanto quanto complexa.

- Se você é o meu sol e está se pondo, não significa exatamente que nunca mais vou ver você. Porque você sabe, o mundo não pode ser noite o tempo todo.

- Hum, essa conversa está me deixando confusa. - Júlia colocou a mão no queixo, tentando dar sentido aquela analogia.

- O que eu estou tentando dizer é que você me completa, mas que agora temos que dizer adeus. Esse adeus pode significar que nunca a verei de novo, assim como também significa que posso a ver algum dia. Mas sabemos que esse algum dia está bem longe de acontecer, por isso não posso te prender a mim.

- E se eu não quiser dizer adeus? - Uma lágrima caiu na bochecha de Júlia.

- Não faz isso. - Caio segurou seu rosto com as duas mãos e beijou sua testa. - Você confia em mim? - Júlia afirmou a cabeça. - Então acredite que eu sempre vou estar com você. Mesmo que a gente não namore mais, que você arranje outra pessoa para preencher o vazio dentro do seu peito ou quando você sentir medo. Eu sempre vou estar com você, Júlia. E sabe como eu tenho certeza disso? - Júlia balançou a cabeça. - "Para todo o sempre". Isso foi uma promessa minha a você.

- Nossa promessa. - ela sorriu. - Você foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida. - Júlia falou olhando nos olhos de Caio.

- Não, você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, e eu serei eternamente grato por todos os momentos que passamos juntos, Júlia. - Dito isso, ele não exitou em puxá-la para mais perto e selar aquele momento com um beijo de despedida. Não um beijo apressado como se não houvesse amanhã, mas um calmo e apaixonado, para que desfrutassem dos seus últimos momentos juntos.

Não sei se depois disso se passaram minutos ou horas, mas quando Júlia e Caio levantaram-se da areia, o sol já havia ido embora. Assim como o sol se despediu do dia e deixou a lua iluminar a noite, Júlia e Caio se separaram. Depois de dizer adeus, os dois nunca mais se encontraram, mas aquele pingente pela metade pendurado no pescoço de cada um não os deixavam esquecer que, mesmo do outro lado do mundo, de certa forma um tinha ao outro.

O Último Verão [conto]Onde histórias criam vida. Descubra agora