Capítulo 4

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Após o cemitério, eles passaram por várias lembranças dele, todas tristes e angustiantes. Viu seu pai se tornar alcóolatra após a morte de sua mãe, lembrou-se de como apanhava quando chegava tarde em casa e seu pai estava bêbado, viu seu coração ser partido pela primeira vez.

Mas a pior de todas foi a lembrança de quando ele e seu único amigo estavam em seu carro, e ao parar em um semáforo, um bandido armado lhes deu voz de assalto. Ele poderia ter saído do carro e entregado tudo o que o bandido queria. Afinal, o veículo, que era o bem de maior valor, possuía seguro. Mas não foi isso que ele fez, a única coisa que ele lembrava era do barulho do disparo, e do sangue de seu amigo pintando a janela. Era uma decisão que ele nunca havia se perdoado por ter tomado.

- Tudo o que você está me mostrando, me motiva cada vez mais a permanecer aqui nesse limbo.

Ele disse para o espectro, que novamente estalou os dedos e desfez mais uma memória.

- Antes de ver as coisas boas, eu tinha que mostrar as ruins, isso ajuda a equilibrar as coisas e a lhe mostrar que a vida não é feita só de coisas boas. Coisas ruins acontecem com todo mundo, mas somente os fortes conseguem enfrentar e fazer com que isso lhes dê mais força para seguir em frente e tentar melhorar.

Ele abaixou a cabeça, não tinha como responder ao que o espectro falou.

- Vamos mudar um pouco.

Ao dizer isso, o espectro estalou os dedos e um novo cenário se formou. Dessa vez era uma praça, cheia de pessoas passeando, crianças brincando, adultos que buscavam um local ao ar livre para colocar suas leituras em dia... E ele mesmo, sentado em um banco, lamentando a morte de seu amigo, se culpando, pensando se a vida realmente valia a pena.

- Aqui foi quando...

Antes dele terminar de falar, viu uma mulher se aproximando de seu eu do passado. Ela apontou para o seu lado e perguntou:

- Posso sentar-me aqui? É um dos lugares mais calmos dessa praça, gosto de vir aqui para ler.

Ele fez que sim com a cabeça, mas não disse mais nada, preferia continuar com seu martírio do que conversar com estranhos, mesmo que fosse uma linda mulher.

- Você não fala muito, não é?

- Tenho muitas coisas para pensar, muitos problemas para resolver, não tenho tempo para conversas sem sentido, desculpe.

- Olha, pelo seu rosto eu percebo que você está passando por um momento difícil, geralmente a melhor forma de enfrentar isso, é conversar com alguém, desabafar, mas vou respeitar a sua escolha, vamos dividir o silêncio.

Ela abriu seu livro e começou a ler, ela lia Um Mundo Perfeito, de Leonardo Brum, um autor brasileiro.

- Sabe, esse passa uma lição muito boa, a de que devemos nos contentar com o que nós temos, sem desejar coisas absurdas e...

- Você disse que não iria falar nada.

Ele não deixou que ela terminasse de falar. Por vários minutos eles dividiram o silêncio, mas a lembrança de seu amigo estava forte demais e ele não aguentou, começou a chorar na frente dela. E nesse momento, ela o abraçou.

- Olha, esse dia, por mais que tenha começado triste, acabou tornando-se um dia feliz, pois foi quando eu conheci minha esposa, uma das pessoas mais importantes da minha vida.

O ele do presente disse olhando para o espectro, que respondeu:

- Eu não disse que não ficaríamos somente nas lembranças ruins.

E estralou o dedo.

Espectros do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora