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Quando Theodore Dasovic adentrou a cena do crime, seus olhos se arregalaram levemente e sua expressão era a de quem se controlava ao extremo para não desabar. Suas mãos tremeram quando ele pegou os óculos de um dos bolsos de sua jaqueta e os colocou em seus olhos para que pudesse enxergar maior precisão.

Enquanto se aproximava, colocando as luvas de látex, o choque estava estampado em seu rosto e o agente Hawthorne, que o observava a poucos metros de distância, cogitou afastá-lo dali. Ele devia ter previsto que aquilo seria demais para Dasovic. Já era pesado para toda a equipe, quem diria para ele, que era talvez a pessoa mais próxima de uma das vítimas.

Theodore caminhou lentamente por entre os corpos, tomando cuidado para que não pisasse nenhum, a câmera em suas mãos registrava algumas imagens enquanto a tremedeira ainda não havia o abandonado.

Aquele era o tipo de crime que poderia ser considerado perfeito. Literalmente, uma obra prima. Os corpos dispostos de forma circular e simétrica, a resina utilizada para sua preservação sem danificar a composição, os ricos detalhes em cada uma das vítimas, as mulheres maquiadas, os homens bem penteados. O assassino havia sido meticuloso, como se preparasse tudo com cuidado, com devoção e zelo. E, no meio daquela obra, como um prêmio especial, estava Soren Lamartine.

Os cabelos loiros estavam bem alinhados, os lábios cheios preenchidos com um batom vermelho sangue e seus belos olhos, diferente das demais vítimas, estavam bem abertos, demonstrando o tom fosco do verde, outrora vibrante e sempre faiscando o desejo da justiça que ela buscava em cada caso que investigava. Conviver com a ideia de que Soren se fora seria uma tarefa árdua para todos os que a admiravam no FBI.

A expressão da garota a era de profundo choque, como se a identidade do assassino houvesse lhe surpreendido, algo que este tomou o cuidado de deixar bem preservado e evidente. Descendo o olhar por seu corpo nu, ela estava perfeitamente posicionada, com o tronco inclinado quase como se a mulher estivesse sentada, a cabeça num gesto quase espontâneo, se não fosse a expressão de incredulidade, e a mão disposta de forma displicente, segurando um manto amarelo ao seu redor. Um desviar de olhos revelaria as duas outras figuras femininas, um pouco distantes, porém ainda no centro do grande "círculo", composto por uma paleta de tons de pele. Ambas as mulheres possuíam os cabelos castanhos, uma delas se encontrava, em uma posição também quase sentada, ao lado esquerdo de Soren, enquanto a outra estava à sua direita. Não foi difícil para Dasovic identificar que ali estava mais uma assinatura do Estripador de Baltimore. Era uma representação de "As Grandes Banhistas" de Renoir.

Theodore virou o rosto por alguns instantes, engolindo em seco e deixando que uma lágrima escorresse do canto de seus olhos. David Hawthorne se aproximou do homem e lhe tocou os ombros, num sinal de cumplicidade, afinal, a reação dele deixava evidente para qualquer um que Dasovic e Lamartine eram mais do que colegas de trabalho.

E quando David parava para analisar, se sentia idiota por não ter percebido antes que Ted nutria algum sentimento pela agente. Já havia o flagrado inúmeras vezes com seus olhos fixos na mulher. Obviamente, ela era bastante atraente, mas Hawthorne notava pelos gestos do colega que havia algo diferente, algo que ia além de mera atração física.

David já havia escutado algumas vezes que analisava demais as pessoas e aquilo acabaria se voltando contra ele um dia.

— Dasovic, você deveria ir para casa. Deixa que eu e a agente Black cuidamos desse caso — ele disse, num tom amigável, no entanto, Theodore o olhou prontamente e balançou a cabeça em negação.

— Não vou a lugar algum, Hawthorne. Eu estou no comando do caso do Estripador a partir de agora — ele afastou o toque do colega e tirou uma das luvas para passar as costas das mãos em seu rosto e enxugar a lágrima que havia caído. Respirou fundo e abriu um meio sorriso, numa forma de mostrar que estava tudo bem, mas aquilo acabou se parecendo mais com uma careta.

— Soren Lamartine não se deixaria abater pela morte de um colega de trabalho, ainda mais quando estamos tão próximos de encontrar o assassino — afirmou, decidido. David soltou um suspiro. Deveria imaginar que a teimosia de Theodore não o permitiria se afastar.

— Longe de mim querer impedi-lo de alguma coisa. Como disse, agora é você que está no comando. Só achei que precisaria de um descanso. Nunca é fácil analisar uma cena de crime onde a vítima foi um de nós. Ainda mais a Soren – Hawthorne deu de ombros, demonstrando em seu tom de voz que já esperava aquela reação dele.

— Eu estou bem – o tom de Dasovic foi categórico e o outro, por fim, se conformou. Não conseguiria fazer a cabeça do agente, isso ele já sabia desde o início, mas não lhe custava tentar, certo?

Theodore trocou as luvas de látex e se abaixou diante do corpo de Soren, analisando os traços delicados do rosto da jovem com atenção, deixando sua mente vagar pelos detalhes à procura de respostas para desvendar aquele crime. Pelo menos era isso que Hawthorne imaginava enquanto permanecia ao lado do homem, sem dizer mais nenhuma palavra enquanto Dasovic trabalhava, porque não queria atrapalhá-lo.

Por dentro, Theodore guardava uma sensação incrível que quase chegava próxima a de dever cumprido. Ele havia concluído sua obra e, mais do que isso, havia conseguido entregá-la ao seu senhor para que este enfim desse seu toque final especial. E deu, ali estava sua marca, seu traço genial. Dasovic gargalhava por dentro, lembrando perfeitamente da expressão de Lamartine quando descobrira para quem havia se entregado. Ela havia sido ingênua, completamente diferente da imagem de agente focada, desconfiada e determinada que sempre buscava passar, era verdade. No fundo, Soren Lamartine não passava de uma garotinha sonhadora, que pensava ter encontrado seu príncipe encantado nele: Theodore Dasovic. Mas ela merecia certo crédito, chegara quase ao assassino e era por isso que havia recebido um lugar de honra naquela obra de arte. Ted não esperava menos do Estripador de Baltimore.

Ele delineou o corpo de Lamartine com uma de suas mãos, desenhando as curvas como se assim as imagens do assassino surgissem em sua mente e franziu o cenho, desviando seu olhar para o novo parceiro de investigação, abrindo a boca para dizer algo, mas sendo interrompido quando David se abaixou ao seu lado e, com as mãos também protegidas pelas luvas, pegou um pedaço de papel dobrado cuidadosamente embaixo dos fios loiros de Soren.

— Ele nos deixou um recado, Dasovic — voltou a olhar para o agente e estendeu o bilhete em sua direção. Theodore o pegou, abrindo-o com curiosidade, dessa vez genuinamente surpreso com o ato do Estripador de Baltimore, então o leu, percebendo que Hawthorne espiava por cima de seus ombros.

"O Cordeiro está prestes a se tornar um Leão. Atentem-se às ovelhas".

Não estava escrito em nenhuma caligrafia fina, as palavras haviam sido digitadas em uma fonte elegante e não possuía assinatura alguma, porém aquilo deixava claro para Dasovic quem era o autor daqueles crimes, todas as evidências apontavam para ele.

— O que isso quer dizer? — a voz de David soou, despertando Theodore de seus pensamentos e ele alisou as palavras do bilhete, relendo o que estava impresso e lançando um olhar confuso ao colega.

— Não faço ideia, mas nós vamos descobrir — ele afirmou, ainda refletindo no que havia lido. Ele era um excelente mentiroso porque David acatou suas palavras sem questionar, mas a verdade era que Dasovic sabia muito bem o que o Estripador de Baltimore queria dizer. Era para ele. Ele estava sendo cumprimentado pelo presente que havia dado ao seu senhor. Cumprimentado e ao mesmo tempo alertado sobre como as coisas entre os dois iriam se desenrolar.

— Precisamos levar isso para análise, talvez nos leve até ele — Theodore conteve a vontade de revirar os olhos para aquele comentário de Hawthorne porque era algo óbvio, era o que mandava o protocolo, no entanto, nada disse, apenas assentiu e guardou o bilhete em um dos sacos próprios para conter vestígios. Identificou da maneira necessária na cadeia de custódia e mais algumas horas se passaram enquanto coletavam evidências, analisando cada centímetro do local do crime.

Os corpos haviam sido recolhidos quando Theodore se deu conta de mais algo que o Estripador havia deixado claro em suas palavras.

Ele estava confirmando para FBI que o imitador realmente existia.

Sweet SymphonyOnde histórias criam vida. Descubra agora