Capítulo 1 - O Caçador Ilegal

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"Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você."

-Friedrich Nietzsche

DANIEL

Colônia Vila América - Brasil

Região Leste


-Só mais um pouco...vamos lá...

O cervo não estava tão longe, talvez uns seis metros. O problema era a árvore bem na frente da minha mira, dificultando minha pontaria no animal.

-Vamos lá... vamos lá... -Jogo uma pedra um pouco distante, não querendo muito barulho para espantá-lo, apenas o bastante para fazê-lo se deslocar um pouco mais para a esquerda. -Isso. -Falo baixo, mania minha. Falar em voz alta não me deixa tão aflito.

O constante medo do perigo, medo de errar e demorar mais tempo fora do abrigo, medo de viver assim para sempre. Medo.

Ajeito a posição da flecha, com cuidado um pouco mais para cima e... Alvo.

Não me preocupo mais com o barulho causado pelos meus passos na floresta e vou até o cervo caído. O clima estava ameno nessa parte da Região, a floresta conseguia nos deixar mais relaxados quanto ao calor infernal que frequentemente passamos. O ar puro, os pequenos grunhidos de animais e insetos, a falsa sensação de liberdade era boa ali. Porém, eu não podia me dar ao luxo de demorar longe do abrigo, apesar de tudo.

Quase ninguém entra nessas áreas, então aqui não preciso me preocupar se alguém vai me ver ou não. Apenas os caçadores da região vem á procura de alimento ilegal. Como eu.

Quando digo ilegal é porque sim: não é permitido matar animais da floresta da Região Leste. Nós só podemos comercializar gado e pesca na Vila América.

Retiro a flecha entre a mancha de sangue e percebo que de perto, como sempre, o animal é ainda maior do que imaginava. Nunca me acostumo, me causa angústia ter que atingir um cervo em paz em seu habitat para que eu não morra de fome. Os olhos grandes e brilhantes, como duas azeitonas escuras. O focinho ainda molhado. Apesar disso, seguro com firmeza seu peso e o jogo em meus ombros, sentindo as costumeiras dores.

Praticamente um ano nesse ritual: Caçar na floresta, fugir dos militantes, me esconder no abrigo. Meus músculos cresceram consideravelmente nesse período, mas uma boa dose de dores vem acompanhando meu desenvolvimento. Nas costas, nas pernas... e a imagem dela de repente me vem em mente. Sempre.

Reviro os olhos cansado, respiração ofegante.

O animal era mesmo grande e pesado, eu parecia fora de forma. Contorno as duas árvores de troncos largos e pouco arbusto, chegando na porta escondida. Folhagens cobrindo a fechadura, ninguém nas laterais. Dou as quatro pisadas fortes no ferro da porta - nosso sinal - e em instantes, alguém a abre lá de baixo. Marta.

-Opa, chegou o almoço. -Ela diz, quando passo pela pequena abertura, me esquivando com o cervo morto e em seguida descendo as escadas.

Marta é a mais nova de nós, completara dezoito há poucas semanas. Com os cabelos curtinhos a deixando com ar de decidida, possui sardas nas maçãs do rosto e olhos castanhos claros de incremento.

-Não fale assim, se não vou pensar que está me confundindo. -Sorrio para ela, que consegue sorrir de volta, fechando a porta com um estrondo exagerado.

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