Capítulo 2 - Aniversário Infeliz

1.4K 103 63
                                    


                                                                                         MARIANE

Dois meses atrás...

Região Norte - Regente


A viagem durou cerca de quarenta minutos do nosso alojamento até o Regente. Militantes vieram nos buscar com a ficha de inspeção, os nomes de todos os adolescentes com dezoito anos completos.

Eu sempre os via de longe no alojamento, andando entre nós a procura dos adolescentes infelizes da vez. Mas por incrível que pareça, nunca ouvi ninguém reclamar do alistamento e parecem gostar da ideia de serem militantes. As serventes, coordenadoras, todos que cuidam de nós - órfãos - sempre nos disseram a famosa frase: "se tornar um militante é ser um heroi da Colônia".

Será que as pessoas realmente acreditam em contos de fadas? Ouvi dizerem que eram histórias para crianças dormirem, muitas vezes com príncipes e princesas e um final feliz. Não consigo ver esse final feliz para mim. Militantes mataram meus pais.

Tanto do sexo feminino ou masculino, precisam se alistar á Militância da Colônia. Passamos por testes e treinamento desde que completamos dezessete, para sermos aceitos na Prova de Aceitação. Os que não são aceitos começam a trabalhar no setor que estiver precisando de mão de obra, o Regente que indica e a pessoa tem que dar seu jeito para morar nessa Região.

E minha prova de aceitação é hoje.

-Por favor, por aqui... -O militante que nos trouxe na viatura do Regente nos indica o caminho pelo grande pátio.

Estávamos entrando no prédio da Militância, também chamado de Regente. O lugar onde ficam os nossos líderes e o próprio Regente, nosso presidente Humberto Dias.

É o edificio mais moderno de toda Vila América, não é a toa que a Região Norte é a metrópole da Colônia. O centro de tudo. Aqui ficam os centros educacionais, os centros médicos e faculdades. São projetadas as tecnologias de ponta e é da onde vem nossa energia. É a Região mais rica da Colônia, em seguida vem a Região Oeste (onde ficam os alfaiates, tecelãs e alvenaria), em terceiro vem a Região Sul (com agricultura e madeireira) e a mais pobre, Região Leste (onde trabalham os pescadores e funciona a agropecuária).

-Nunca vi esse lugar de perto. É realmente lindo. -Comenta Adriana, minha vizinha de quarto do alojamento, que andava ao meu lado enquanto seguíamos o militante pelo caminho de pedras entre as jardineiras floridas.

O lugar era mesmo bonito. Ladeado de grandes jardineiras em formato circular ao redor de um pomposo chafariz, nos convidava para a entrada principal do edifício lar dos militantes da Colônia. Um prédio de talvez dez ou mais andares de janelas de vidros e uma elegância em seu formato. Era como se fosse repartido em camadas brancas e transparentes (os vidros), nos deixando pequenos ali embaixo.

Mas a beleza não me comprava.

Pessoas fardadas e armadas passavam por ali sem preocupação, expressões tão sérias quanto suas posturas. Os militantes eram estranhos, sempre achei. O modo como andam e conversam entre si, a formal educação que tratam os civis. Tudo tão automático, ensaiado, que parecia irreal demais para mim. Eu não quero isso para minha vida. Não sorrir, não relaxar, não conversar alto...

-Me acompanhem. -Continuava o militante que nos guiava agora pelos corredores largos e brancos do Regente, todos bem iluminados por lâmpadas de LED.

Além de Adriana e eu, mais três adolescentes nos acompanhava atrás do homem fardado de estatura baixa. Todos calados, prestando atenção aos detalhes de cada corredor e pessoas que circulavam ali. Nunca entramos no Regente, civis são proibidos disso e nem na metrópole havíamos pisado antes. O alojamento se encontra na parte mais distante da Região Norte, próximo aos centros educacionais.

Eu olhava ansiosa pelos cômodos que passávamos de portas abertas, elevadores e corredores adjacentes á procura de Daniel. Fez seis meses desde que ele entrou para a Militância e nunca mais o vi, faz parte do alistamento: se desprender da sua antiga vida para servir a Colônia Vila América. Entretanto, ele disse que me esperaria aqui no dia de minha prova de aceitação. Faria de tudo para não ser escalado para servir em outras Regiões ou até mesmo, fora da Colônia.

O militante pode servir como proteção no Regente, nas Regiões com civis e nas divisões da Colônia, mas alguns poucos também são mandados para fora de Vila América a procura de alguma coisa que ninguém sabe o que é. Só falam que precisam estar indo lá fora de vez em quando, mas nada com o que devemos nos preocupar.

As pessoas não questionam o que seja, não reclamam de nada. Nunca vi um civil sequer reclamar do calor que passamos diariamente ou do valor que recebe mensalmente pelo Regente. Todos se acostumaram com as leis da Colônia, o toque de recolher ás nove horas da noite e o trabalho diário nos setores.

Não são todas as crianças que estudam, muitas delas trabalham com os pais, pois esses não conseguem pagar o que o Regente pede pelos centros educacionais - 30% das cédulas que ganham. E ainda assim, não ouço reclamações.

Agora subimos dois lances de escadas - porque não elevadores? - e viramos á direita, entrando em um corredor mais estreito e com apenas dois militantes de guarda no caminho.

Penso que se Daniel estivesse aqui, eu já poderia tê-lo visto. Ele saberia que hoje é meu aniversário. Se ele não veio me ver, ele não está aqui. Então onde ele está?

-Sentem-se, por favor. -O militante nos indica as cadeiras á esquerda da sala que entramos e nos encaminhamos cada um para uma cadeira azul. -O Inspetor chegará em instantes para direcioná-los para suas provas de aceitação. -Diz ele, e em seguida se vira saindo da sala e fechando a porta ao passar.

Agora estávamos sozinhos, nós cinco em uma sala branca sem nada, apenas as cadeiras e uma janela ampla á nossa frente, com o vidro fechado. O silêncio perturbador nos deixando ainda mais nervosos.

Como seria essa prova? Como Daniel se saiu? E se ele nunca passou como militante e foi mandado para outra Região?

Fecho os olhos e tento me concentrar. Lembrar dos treinamentos que fizemos, de concentração, de sobrevivência e de pontaria. Treinamos com armamento de verdade, passamos sufocos de verdade e alguns desistiram dos treinos e passarão pelas provas sem experiências.

Nunca nos falaram como é essa Prova de Aceitação, apenas deixavam claro que era decisiva para nós. E quando o Inspetor entra pela porta da sala eu rezo em silêncio para que eu não passe nessa prova. Prefiro trabalhar com porcos na Região Leste do que me tornar uma militante.

Duologia Renegados - LIVRO UM (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora