Capítulo Três

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1 de Janeiro, 13:40

Loft, Londres,

Nina

Cada célula do meu corpo reclamava, cada centímetro de pele gritava e meus músculos se recusavam a se movimentar. Rolei na cama e senti a textura dos lençóis. Lençóis de seda. Onde estavam meus cobertores fofinhos?

Abri meus olhos e minha respiração falhou. Aquele não era meu quarto. Não, meu loft era metade daquele quarto. Olhei ao redor a procura de alguém, mas não havia nenhuma alma viva além de mim. Me encolhi na cama espaçosa, sem saber ao certo se deveria procurar um modo de sair dali.

O quarto era luxuoso, com a cama de frente para uma parede coberta totalmente por uma janela, um closet enorme e uma terceira porta que deveria ser um banheiro. Lutei com meus pensamentos tentando me lembrar de como eu havia parado ali, mas a noite anterior era um grande borrão.

Shen era meu melhor amigo, talvez o único que eu pudesse confiar naquela grande cidade sanguessuga. Ele era primo de minha colega de quarto da faculdade, assim, logo que fui aceita no programa de um hospital escola em Londres, ela disse que ele procurava alguém para dividir um apartamento. Eu já o conhecia e no início ele me assustava. Shen era cheio de animação, saía todos os dias, estava sempre rindo e ah, era dançarino. Mas, mordi minha língua quando meu amigo foi descoberto e sua carreira de artista decolou.

Ele começou, então, a fazer participações em diversos clipes de hits adolescente, até ser contratado pelo queridinho de Londres. Botei um sorriso na cara e disse que precisávamos comemorar, apesar de tudo, era uma grande chance, uma ótima oportunidade e não queria deixar transparecer um mínimo de incômodo com a situação, pois sabia que se Shen pensasse que eu não me sentia bem com ele trabalhando para meu amigo de infância, ele não aceitaria. E Nash Turner era apenas isso: um amigo de infância. Nada além. E toda e qualquer relação que pudéssemos ter tinha ficado na infância também.

Mas que grande mentira. Bastou meus olhos caírem sobre ele na festa de Natal, que depois de anos evitando minha mãe finalmente venceu e não vi escapatória para o gosto de bile invadir minha boca. Se o ver na televisão, ouvir uma música sua na rádio ou ouvir alguém pronunciando seu nome já me causava reações o suficiente, estar de frente para ele, olhar em seus olhos e respirar seu perfume me matava lentamente.

Eu tinha sido uma grande tola em descobrir - ou admitir, pois mesmo negando eu sempre soube - que meus sentimentos pelo meu vizinho eram muito além de amizade. Nunca havia dito, mas o que mais me afetou em toda a nossa complicada e clichê história não tinha sido sua música, muito menos que essa música tenha me marcado para as outras pessoas, sendo sempre reconhecida como "A Nina", o que tinha doído mais, em todo o percurso, tinha sido ver o cara por quem eu era loucamente apaixonada ir embora.

Eu não continuei na cidade por muito tempo, só até minhas aulas começarem. Conhecer os professores e cientistas que eu sempre admirei e andar pelos corredores que eu almejei a vida toda não tinham toda a graça que eu fantasiava. E foi aí que eu comecei a me quebrar. Nada tinha mais graça porque eu não tinha com quem dividir as experiências, não tinha para quem contar, animada, o que aprendi no dia e saber que ele ia escutar sem reclamar e se mostrar verdadeiramente interessado. Eu não tinha mais alguém que ficaria feliz pelo simples fato de eu estar feliz. De início pensei que era somente da amizade forte que eu sentia falta, entretanto as noites observando as estrelas deitados no telhado, os segredos trocados, os sorrisos, as carícias, iam muito além disso. Então "amizade" começou a me parecer uma palavra muito fraca para descrever o que tínhamos. Mas nada disso importava mais, não é mesmo? Ele tinha acabado de lançar seu primeiro EP e lotava todas as casas de show e estádios da Inglaterra.

05. NinaOnde histórias criam vida. Descubra agora