Capítulo Oito

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Extremamente cansado.

É assim que estou depois de três horas circulando por algumas lojas da cidade para deixar meus currículos.

Depois de vários "não" e alguns "talvez", descido parar um pouco para tomar uma água de coco. O calor estava infernal, e é aí, que me arrependo em ter colocado aquela camisa social. Aproveito o guarda sol da barraquinha de água de coco para recuperar minhas forças. Mas não dura muito para o dono dela seguir viagem empurrando-a e gritando "olha o coco fresquinho!". Ironicamente grito em sua direção um "De nada".

Caminhando pela calçada, vou procurando lojas que chamam minha atenção. Evito aquelas com pouca movimentação, já sabendo que aquilo era um sinal de baixas vendas, o que me levou a ter certeza que não iriam contratar mais ninguém naquele estado. Era mais fácil demitir.

Mas então, um prédio naquela paisagem urbana me chama atenção. Sua altura e suas janelas espelhadas se destacavam no meio do céu acinzentado da grande São Paulo. Apesar de não ser tão elevada, a beleza externa do edifício colocava qualquer construção da região no chinelo. E o lugar ganhava mais destaque ainda, devido ao enorme letreiro em sua faixada.

PRISMA CONSTRUÇÕES

Penso duas vezes antes de realizar o que iria fazer. Sei que não tenho nenhuma especialidade em construção civil, mas tenho certeza absoluta, que a empresa também necessita de auxiliares administrativos ou técnicos em informática, e isso, eu poderia dar conta. Então, assim que o semáforo de pedestres abre, atravesso a avenida com todo cuidado e atenção possível para nenhum imbecil passar o carro por cima de mim novamente. Porém, isso não bastou. Assim que chego à calçada do outro lado, o tráfego é liberado, e um idiota passa em cima de uma poça de água me molhando por completo.

Nesse minuto minha cota de palavrões excedeu. Digo o alfabeto completo de xingamentos, mas, apesar da situação, tento respirar fundo e me acalmar.

Algumas pessoas me olhavam com pena, outras soltavam alguns risinhos. Mas pouco importava! O que importava de fato naquele momento eram os currículos: a água pode ter molhado a mochila e consequentemente ter umedecido os papeis.

Então, tiro rápido a alça da mochila do meu ombro e abro o zíper. Boa parte estava com as bordas úmidas, sensíveis, e poderiam rasgar com facilidade. Olho de um por um por um para ver se algum sobrevivera aquele bombardeio. E finalmente, a sorte se manifestou em minha vida naquele dia. Havia um intacto. Então, o ponho na mão, fecho a bolsa, dou uma olhadela no meu reflexo na janela do edifício, ajeito meu cabelo, e entro pela porta rotatória.

_Seja o que Deus quiser. – Sussurro baixinho.

***

O cheiro do ambiente era o mais agradável possível. Parecia que todos os móveis e estofados ali presente eram novos. Um quadro enorme de pintura abstrata estava posicionado bem atrás de um balcão onde duas mulheres olhavam para tela de seus computadores, e digitavam algo. Estava tudo calma. O zunido do ar condicionado era a única coisa que preenchia o local. Nem parecia ser um edifício posicionado na zona urbana de São Paulo.

O segurança que estava posicionada bem na entrada, me olhava com um ar sério. Tentei dar uma risadinha pra quebrar o clima. Mas não deu muito certo. Então ele falou algo em seu walkie-talkie e voltou para sua posição original.

Antes de me aproximar do balcão, dou um giro 360° e me deparo com um lustre com detalhes em metal que dava um ar mais sofisticado e moderno para o ambiente. O espaço era enorme. Talvez bem maior que a quitinete que morava.

_Bom dia, em que posso ajudar? – Falou uma das mulheres, sem nem ao menos tirar o olho do computador. Ainda impressionado pela ambientação, respondo de forma travada: _ Oi, tudo bem... Meu nome é Nicholas. Que lugar bonito!?

_Isso não é nada em comparação ao resto do local. – A outra mulher responde de maneira ríspida.

Minha vontade naquela hora era pedir permissão para andar um pouco mais pelo prédio, mas está bem nítido que elas não estão com muito tempo livre para esse tipo de coisa. Então, vou direto ao assunto.

_Olha, desculpem pelo incomodo, mas, estou aqui por motivos maiores. Queria apresentar meu currículo para empresa, no caso de uma oportunidade de trabalho.

Logo em seguida, a mulher da esquerda para de digitar e olha bem pra mim. Parecia até que estava passando por um processo de seleção de modelos. Ela olhou da ponta do meu pé até o topo da minha cabeça. Se fosse de fato uma seleção, pela sua cara, eu já teria deduzido que não seria aprovado.

_Sua sorte é que estamos sim precisando de alguns empregados. Iremos fazer uma análise do seu currículo e iremos lhe informar sob qualquer indício de chamada. – Falou ela de forma mecânica. – Mas, – continuou ela, ­ – caso queira ser chamado, eu recomendo vir de forma mais apropriada. A imagem da nossa empresa é uma das nossas principais responsabilidades – Dizia ela enquanto olhava para minha roupa molhada. A vergonha me dominou naquele instante.

Apesar de ter ouvido aquela mesma frase diversas vezes naquela manhã, não me intimido para dizer um "obrigado". Até porque, qualquer resquício de esperança é válido. Então, saio do local dando um tchauzinho amigável para o segurança que ainda continua com sua expressão neutra, e como eu já tinha premeditado, ele não retribui a ação.

_Que pessoal mais mal amado. – Saio pensando, em direção à parada de ônibus mais próxima dali.

***

Por minha sorte, tinha um banco vazio na parada. Minhas pernas estavam muito cansadas, e a fome já estava batendo a porta do meu estômago. Então decido sentar, e tiro um sanduíche da mochila para enganar meu estômago até chegar em casa.

Já era mais de meio dia. Provavelmente a Cacau já tinha voltado da faculdade. Fiquei surpreso por ela não ter ligado até agora.

Um fato naquele momento era: nunca desejei tanto minha cama e meu chuveiro em toda minha vida. Aquele tinha sido "O" dia. Agora, é só esperar por uma ligação que talvez pudesse mudar minha vida. Foi quando o meu ônibus chegou, e expressei um sorrisinho.

***

O tráfego estava "a cara de São Paulo", e já estava em mente que eu demoraria pra chegar em casa.

Os carros estavam parando de instante e instante. Mas aquilo de certa forma era "bom", pois não existe lugar melhor para pensar na vida do que na janela de um ônibus. Então, pensei em como tudo seria se eu fosse contratado; como uma simples ligação iria fazer diferença na minha vida; mas como também, lembrei-me de levar outro par de roupas caso eu seja chamado para alguma entrevista. Foi quando o ônibus parou em um semáforo e uma Ranger Rover Evoque parou bem do meu lado, chamando minha atenção. Será que um dia iria possuir uma dessas? – Pensei comigo. Então, o motorista e provavelmente dono do carro, baixou o vidro pra jogar o que seria uma masca de chiclete fora. Ele estava falando ao celular, e pelo que vejo, está bem distraído.

Foi quando ele fixou os olhos em mim.

Um turbilhão de lembranças passou por minha cabeça. Aquela barba, aquele cabelo, o formato do rosto... Ele tinha as mesmas características de Bernardo. Apesar de pouco tempo conversando com ele naquela enfermaria, lembro muito bem da sua fisionomia. E por essa razão, concluo que não era ele. Impossível não se lembrar daquele olhar provocante.

Foi quando o motorista posicionou sua cabeça para o semáforo, e em seguida seu carro deu uma alavancada, deixando o ônibus pra trás.

Tentei me encontrar naquela hora. Parecia que tinha perdido os sentidos. A única coisa que sentia naquele minuto, era o ônibus em movimento seguindo viagem. Coincidência ou não, chocalhei a cabeça bem forte para esquecer aquelas sensações.

Agora, só queria chegar em casa e tomar um delicioso banho. 

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