As vidas...

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Numa tarde chuvosa e fria de uma quinta-feira, Lia me ligou, disse que estava pronta para contar para seus pais sobre a gravidez e queria que eu estivesse lá, eu era sua única amiga agora, eu tinha que estar lá, Lia confiava em mim, eu não podia decepciona-lá.Liguei meu carro e dirigi até onde ela morava, Lia morava em um apartamento no centro da cidade.Enquanto dirigia, coloquei um CD para tocar, eu estava tensa, não sabia como seria a reação deles ao receberem a notícia, a música calma, o barulho da chuva, as luzes da cidade me fizeram sentir bem,respirei fundo e apenas ouvi a música. Lia estava me esperando na portaria, ela me recebeu com um grande sorriso, eu passava confiança para ela.
-Muito obrigada por ter vindo.-Disse ela enquanto caminhávamos até o elevador.
Lia me falou que os pais dela não estavam em casa, ficamos esperando eles chegarem, enquanto isso, Lia me contava sobre Adam, sobre o Adam que eu não conhecia,Lia me contou como tinha acontecido o acidente dele.
-Ele estava voltando de uma festa, ele e os outros amigos dele que estavam no carro estavam bêbados, Adam estava no banco carona, ele foi arremessado para fora do carro pelo vídeo da frente, ele estava sem cinto e foi o único que não sobreviveu.
Lia já conseguia falar sobre ele sem chorar.
-As vezes... Ele até falava sobre você, Alina.
-Sobre mim? Por que?
-Ele era muito nostálgico, vivia lembrando da infância e ele lembrava de você, da época que estudavam juntos, quando vocês eram melhores amigos.
Eu fiquei surpresa ao saber disso, Adam ainda se lembrava de mim, não só por estudarmos juntos, mas sim por sermos melhores amigos, por um momento imaginei como seria se Adam fosse meu melhor amigo até o último dia de sua vida, talvez ele não tivesse ido naquela festa, nem fosse namorado de Lia, e Lia não estaria grávida.
Depois de um tempo os pais de Lia chegaram, ela estava nervosa, e de uma hora para outra, Lia ficou pálida, perguntei se estava tudo bem e ela fez que sim com a cabeça.
Eu não conhecia os pais dela, a sua mãe era uma gordinha com o cabelo loiro e chanel, seu pai era negro e usava óculos, eles deviam ter entre cinquenta e sessenta anos, Lia se parecia com sua mãe.
-Mãe, pai... essa é a Alina, minha amiga.Alina estes são meus pais, Carlos e Dora.
Estendi minha mão, apertei as mãos deles e sorri, eu estava meio tensa e não sabia se dava para notar.
Lia pediu para que os pais sentassem e disse que tinha algo importante para falar, Carlos e Dora sentaram e ficaram esperando Lia falar, mas Lia abria a boca e não saía som, comecei a ficar nervosa, Lia olhava para mim como se estivesse pedindo ajuda, até que Carlos pediu que Lia falasse logo, então ela respirou fundo e parecia que ela tinha ficado mais calma e então ela começou a falar.
-Então...vocês sabem... o Adam morreu... e... meu Deus... eu não sei como falar isso...
Lia parou de falar e olhou para mim como se estivessem pedindo ajuda de novo, olhei para os pais dela e eles não estavam entendo nada, então percebi que Lia não conseguiria falar e tínhamos que contar logo,então eu tomei coragem e disse.
-Lia está grávida do Adam.
Então Lia olhou para mim e concordou.
-É... é isso.
Os pais de Lia ficaram mais ou menos trinta segundos sem falar nada, eles pareciam que estavam tentando entender o que estava acontecendo, até que Carlos perguntou se Lia estava falando sério e Lia respondeu que sim, foi quando percebi que Dora estava chorando, Lia ficou sem reação, Dora se levantou e abraçou Lia.
-Minha princesinha está grávida... Oh céus...-Disse Dora enquanto a abraçava.
Em seguida,Carlos começou a chorar e também abraçou Lia,eles ficaram abraçados por alguns segundos,chorando, eu não sabia o que eu tinha que fazer naquele momento.Eles terminaram de se abraçar e então eu disse a Lia que precisava ir embora, eu não precisava ir, mas eles tinham muita coisa para conversar e eu já tinha feito minha parte lá, Lia me levou até a portaria, a chuva tinha parado.
-Obrigada, Alina, se você não estivesse aqui, não sei o que faria.
-Ah... De nada!
Me virei para ir embora, quando Lia me chamou, me virei e ela me abraçou.
Fui embora com um sorriso no rosto enquanto dirigia, fiquei imaginando como seria se Adam estivesse vivo, ele teria ido junto com ela dar a notícia aos pais dela.
Na manhã seguinte, fui para escola junto com Clara e Davi como sempre.Contei para eles sobre o que tinha acontecido no dia anterior.
-Nossa! Eu queria estar lá.-Disse Clara.
Eu pensei que os pais dela fossem expulsar-la de casa-Disse Davi.
-Que Horror,Davi
-Eu só achei que eles fossem fazer isso, têm pais que fazem isso, oras!
-Como vai você e seu violão? -Perguntei.
-Estou tendo um progresso.
Naquele dia tivemos aula de História, Lurdes estava dando aula, ela parecia abatida, estava falando mais lentamente do que o normal e as vezes se perdia no que estava falando, Clara também notou o comportamento estranho de Lurdes e olhou para mim.
Depois da aula fomos no parque que ficava no centro da cidade, tinha crianças correndo para todos os lados, lembrei da primeira vez que estivemos ali juntos, tínhamos ido fazer um piquenique, Clara era a mais tímida, Davi sempre foi o mais engraçado e eu... Eu sempre fui eu mesma.
De tarde, Lucio me ligou.
-Oi! Alina!-Disse Lucio,falando mais baixo que o normal.
-Oi Lucio
-Então, você deve estar se perguntando por que eu te liguei. Bom... eu vou precisar de um favor seu.
-Diga.
-Você sabe que eu faço obra de caridade entregando cestas básicas nas casas de quem está precisando, e eu precisaria entregar uma cesta básica amanhã para uma pessoa, mas não estou com condições de sair de casa, acho que deve ser uma gripe.
-Então você quer que eu entregue a cesta básica na casa dessa pessoa?
-Isso! Mas você não precisa ir, se não quiser.
-Tudo bem, eu posso entregar sim.
-Ótimo! Amanhã você pode passar aqui de tarde, eu te darei o endereço.Tenho que desligar agora, beijos, Alina.
-Tchau...
Eu só precisaria entregar uma cesta básica na casa de alguém, o que poderia dar errado? Eu entregar no endereço errado, talvez, mas isso nunca tinha acontecido, e aquela não seria a primeira vez.
No jantar, contei sobre o que iria fazer no dia seguinte, meus pais gostavam de ouvir novidades sobre mim e como eu não tinha muitas novidades, aquilo tinha se tornado uma grande novidade.
-Que lindo, filha, isso é uma bela atitude.
-Mãe, eu só vou entregar.
Depois disso ficamos conversando sobre coisas nostálgicas e depois eu fui para o meu quarto.
No dia seguinte, depois da aula, fui na casa de Clara.Clara estava falando sobre querer ir para África junto com um grupo de jovens missionários depois da formatura , Clara gostava de ajudar as pessoas e eu iria apoia- la
-É uma boa idéia... Por que não?
-Ah Alina, que bom que você está me apoiando, mas eu ainda não tenho certeza, tem muita coisa pra ser pensada ainda e por mais que seja uma viagem missionária, meus pais ainda não concordaram totalmenlte.
-Mas se você conversar com eles direitinho, talvez eles deixem.
Ficamos conversando por algumas horas, depois fui para casa, eu tinha um compromisso naquela tarde, tomei um banho e telefonei para Lucio dizendo que passaria lá
Então peguei o carro e dirigi até a casa de Lucio, que por algum motivo  eu sabia onde ficava.Quando cheguei a mãe de Lucio me atendeu, me disse que ele estava não estava passando bem e estava deitado, então logo em seguida ela me convidou para entrar, me sentei no sofá e esperei ela, até que vi a sombra de alguém se aproximando na parede, era Lucio, que aparentemente não conseguia nem ficar em pé, mas que mesmo assim veio falar comigo, depois de alguns minutos a mãe de Lucio me trouxe uma caixa de papelão com alimentos dentro, e então Lucio anotou em um papel o endereço, que por sinal, não ficava muito longe da minha casa.
Saí da casa de Lucio e fui dirigindo até o endereço, o endereço era de um prédio antigo, não tinha um porteiro na portaria então subi direto pegando o elevador,o apartamento ficava no quarto andar.
Cheguei na porta do apartamento e esperei alguns segundos antes de tocar a campainha, eu não estava nervosa, mas estava ansiosa para saber para quem era a cesta básica, talvez fosse para alguma mulher, mãe de duas crianças, viúva.
Toquei a campainha e fiquei esperando por mais ou menos um minuto, mas ninguém atendeu, então toquei denovo e depois de alguns segundos alguém olhou pelo olho mágico e falou.
-Quem é você?
E antes que eu pudesse responder a pessoa abriu a porta.
Naquele momento meu coração gelou, quem morava lá era Léo, ele estava mais magro e pálido, mas continuava com olhar marcante e sempre sério, por algum motivo não consegui falar, eu estava muito surpresa e acho que ele tinha percebido isso.
-Você não vai falar, não?
-Eu? Quer dizer... E-eu só vim te entregar isso... -Disse eu enquanto entregava a caixa pra ele.
-Cadê o Lucio?
-Ele não tá passando bem, então ele pediu pra eu vir.
-É só isso?
-É... só isso.
-Então...
-Ah... Claro... Eu já estou indo... Err... Tchau-Disse eu enquanto eu me virava para ir embora.
-Ei! Espera...-Disse Léo, então eu me virei.-Tenho uma coisa para entregar a Lucio, mas vou precisar procurar,então,entra aí.
Sem dizer nenhuma palavra eu entrei no apartamento de Léo.
O apartamento era pouco iluminado, Léo não parecia gostar muito da luz sol, já que todas as janelas estavam fechadas com cortinas e os raios luz do sol da tarde mal chegava lá, a casa era fria e silenciosa.
Na sala tinham dois sofás, uma pequena televisão em cima de um rack e uma mesa de centro, na mesa de centro tinham livros, um copo de vidro vazio, um maço de cigarro e um cinzeiro.
Léo disse que eu podia me sentar enquanto ele procurava.
-Você quer alguma coisa? Na verdade eu não tenho nada além de água e café.
-Não, não quero nada, obrigada-Disse eu e em seguida sorri.
-Tem certeza? Meu café é muito bom.
Então eu aceitei, Léo estava sendo legal comigo, ou pelo menos, parecia que estava sendo.Depois de alguns minutos ele me trouxe uma xícara de café, o café estava muito bom.
Fiquei sentada esperando, até que Léo encontrou o que estava procurando, uma bíblia.
-Encontrei. Delvova a ele pra mim, eu não vou precisar disso.
Ele me entregou a bíblia e eu não sabia o que dizer, fiquei em silêncio por alguns segundos.
-Acho que ele não quer que você devolva isso, Léo.
-Tanto faz... Então...-Disse ele enquanto olhava para a porta.
Eu já tinha feio o que eu tinha que ter feito,então, eu já poderia ir embora, mas eu ainda não sabia nada sobre ele e também não sabia quando o encontraria denovo.
-Você se importa se eu ficar mais um pouco?
-Am?... Bom... se você quer ficar, pode ficar.
-Ótimo!-Disse eu, entusiasmada demais para aquela ocasião-... Quer dizer... legal...
Léo que estava em pé, então sentou no sofá, sem falar nada por alguns segundos.
-Então, você quer ver TV?
-TV? Não, eu só quero conversar.
-Haha, conversar? Tudo bem. Sobre o que você quer falar?
-Sobre você, por que está morando aqui sozinho? Onde está sua família?
Léo ficou em silêncio por alguns segundos, mas não parecia ter se encomodado com a pregunta.
-Bom... eu saí de casa porque tive uma briga com minha mãe e hoje não nos falamos mais.
-Posso saber o motivo da briga?
-Você é bem curiosa, não? Mas vou responder sua pregunta, eu não tenho conversado muito com ninguém ultimamente.Então, tudo começou quando meu pai ainda estava vivo, minha mãe sempre discutia com ele, as vezes eu o encontrava chorando no quarto, até que certo dia minha mãe pediu divórcio, meu pai no mesmo dia arrumou as malas para ir embora de casa, então ele pegou o carro e foi embora, eu fiquei muito triste naquele dia, minha mãe não saiu do  quarto o dia inteiro. Até que na noite daquele dia, telefonaram para nossa casa, minha mãe estava no quarto, então eu atendi, ligaram para dizer que meu pai tinha morrido em um acidente, o carro dele tinha capotado na estrada, eu chorei muito. Então eu fui até o quarto dela para dar a notícia, e me dei conta de que se ela não tivesse pedido divórcio, meu pai não teria morrido, ela era a culpada, eu amava meu pai,muito, e por causa dela, ele tinha morrido. Fiquei morando naquela casa por dois dias, sem falar com ela e depois vim para cá com um dinheiro que eu tinha guardado. Eu não fui no enterro do meu pai, eu não queria acreditar que ele estava morto... Mas... Foi assim que eu parei de falar com minha mãe e vim morar aqui.
Eu não sabia o que dizer, então fiquei em silêncio e sorri. Ele culpava sua mãe pela morte do pai, mas sua mãe não tinha culpa, simplesmente tinha acontecido, ele estava amargurado.
-E depois desse dia, você nunca mais falou com ela?
-Não...
-Ela sabe que você está morando aqui?
-Eu espero que não, não quero que ela venha aqui, não quero ver ela.
-Eu sei que você ficou muito triste pela morte do seu pai, mas, ja pensou que ela, talvez, não tenha culpa?
-Escuta... Aline? é esse seu nome?
-Na verdade é Alina.
-Então... Alina... Eu não vou mudar de idéia, se você veio aqui pra tentar me fazer perdoar ela, você perdeu seu tempo, você não entende a situação, você nunca vai entender o que é perder alguém que você ama.
Fiquei sem falar nada e tentei evitar contato visual com Léo, então fiquei olhando para baixo.
-Olha... Desculpa, Alina, eu não queria ter sido tão ignorante com você, ok?
-Tudo bem... você está certo, eu realmente não faço ideia de o que é perder alguém.
-Eu acho melhor você ir embora agora.-Disse ele enquanto se levantava e andava até a porta.
-Ah... tudo bem... eu tenho quer ir agora mesmo.-Disse eu enquanto me levantava e caminhava até a porta.
Léo abriu a porta e se despediu de mim, saí do apartamento dele e quando eu iria caminhar até o elevador, Léo me chamou.
-Alina!-Disse ele, então me virei- Obrigado por conversar comigo, você é uma garota legal...
-De nada... obrigada pelo café.
-Obrigado pelo maço de cigarro do outro dia.
Então ele sorriu e fechou a porta, chamei o elevador e fui embora.
Eu não sabia que tipo de pessoa Léo era, eu não o conhecia totalmente, mas eu gostava dele e gostava da sua coragem e rebeldia.
Léo precisava de ajuda, precisava entender que sua mãe não tinha culpa e que ele precisava perdoa-la,
mas Léo era muito orgulhoso.
Por algum motivo Léo mexia comigo, eu gostava de estar perto dele, eu queria conhecer ele.

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⏰ Última atualização: Apr 09, 2016 ⏰

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