Cap 13 - Entregar brinquedos a crianças carentes

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   Feliz Natal! Quer dizer, feliz véspera de Natal! Não importa, é apenas um dia como qualquer outro, mas com comidas caprichadas e presentes. Quer dizer, era. Já tem algum tempo que não comemoramos o Natal dessa maneira aqui em casa. Ano passado, meu pai passou a noite pela rua, provavelmente com alguma prostituta. Minha mãe dormiu o tempo todo. Rosário tira folga nos feriados. Só pude falar com meu irmão pelo Skype. Digamos que não foi a melhor noite do mundo.
   Uma coisa que sempre quis fazer, é distribuir brinquedos no dia do Natal. Para crianças carentes, mesmo, pobres. Juntei todos os brinquedos que ainda tinha guardado, e Rafael conseguiu convencer seu irmão mais novo a doar alguns mais antigos também. Conclusão: três sacos enormes cheios de brinquedos.
   Encontrei Rafael no ponto de ônibus. 
– Feliz Natal! - ele falou sorrindo de orelha a orelha.
– Feliz Natal - respondi.
   Subimos no ônibus - com bastante dificuldade, já que as sacolas estavam pesadíssimas - e assim que ele se aproximou mais de mim, reparou nos roxos pelo meu corpo.
– O que aconteceu? - perguntou apressadamente.
Merda.
– Nada.
– Sara, você tá toda roxa! E sua boca tá machucada! O que foi isso?
Merda. Merda.
– Já respondi que nada.
– Sara, isso é sério, dá pra me contar?
– Não! - gritei - Não é da sua conta.
   Ficamos calados por um bom tempo. Até que Rafael começou a puxar assuntos aleatórios, e começamos a conversar.
   Descemos do ônibus, que parava próximo a comunidade, e fomos andando até lá. Quando chegamos, puxei uma roupa de Papai Noel de uma das sacolas e entreguei-o.
– 'Que isso?
– Vai ter que usar. As crianças vão gostar.
– Não vou usar isso. Olha o calor que tá fazendo!
– Por favor, vai.
   Ele me encarou e em seguida encarou a fantasia.
– Onde posso em trocar?
– A moça me disse que podemos usar um banheiro de lá. Depois vamos pro pátio.
   E fizemos isso. Rafael vestiu-se de Papai Noel, e eu em seguida pus a roupa de Mamãe Noel. Ou duende. Não sei bem o que era aquilo. A moça chamada Katia nos disse que as crianças do morro já estavam reunidas lá, esperando a gente. E então fomos.
   Posso escrever mil palavras, mas nenhuma irá descrever o que eu senti naquele momento, vendo aqueles olhinhos brilhantes. Além de Rafael ser negro, e para crianças negras deve ter sido incrível ver o Papai Noel como elas, o olhar mágico e inocente delas. Lindo.
   Fomos entregando aos poucos os presentes, fazendo as perguntas de sempre, se elas se comportaram e o que elas queriam. Rafael entrou muito bem no personagem, se querem saber.
   O tempo foi passando, e fomos nos apegando aquelas crianças. Almoçamos por lá mesmo. Ficamos a tarde inteira brincando com elas - depois do Papai Noel e da Mamãe Noel irem embora, dando lugar pra Rafael e Sara, claro. Se eu tivesse que escolher os melhores dias da minha vida, esse sem duvidas estaria entres eles. Foi escurecendo, e percebemos que era hora de ir embora. Nos despedimos, e posso jurar que vi algumas lágrimas escorrendo pelo rosto de Rafael.
– O que vai fazer hoje a noite? - perguntou Rafael já no ônibus.
– O que faço todo Natal, dormir ou reclamar no Twitter.
Ele riu.
– Está convidada pra ceia lá de casa.
   Concordei de ir. Não faria nenhum mal. Cheguei em casa e tomei um banho. Decidi usar um vestido mais bonito, que estava guardado no fundo do armário. Usei um pouco de maquiagem pra disfarçar os hematomas, e um batom. Tantos anos sem usar, que acho que perdi a prática.
   Rafael me passou o endereço dele por mensagem, e pedi um táxi. Ele morava num bairro humilde, numa casa amarela com portão branco. Toquei a campainha, e escutei latidos. O portão abriu, e um cachorro pequenino pulou em cima de mim.
– Sara, esse é o Amendoim - falou Rafael - Relaxa, ele só vai te cheirar.
   Rafael estava mais arrumado do que o costume. Bem, eu também estava. Ele usava uma blusa xadrez, com uma calça jeans e tênis novinhos. Estava mais perfumado que o normal.
– Está bonita! - ele disse.
– Você também - sorri timidamente.
– Vem, vou te apresentar para a família!
   Fomos até lá, onde fui recebida com muitos beijos e abraços dos avós de Rafael.
– Então, Sara, essa é minha avó Maria!
– Prazer - disse estendendo uma mão. Ela me puxou num abraço apertado, desejando-me Feliz Natal.
– Esse é meu avô Adão. Aquela ali com cara de emburrada é minha irmã Camila e esse pestinha aqui - ele disse pegando seu irmão no colo - é o Hugo! Mas já ouviu falar dele.
   Falei com todos, e então nos sentamos a mesa. Não era nada comparado com as festas de Natal que costumávamos ir antigamente, mas era bem farta.
– Bom, antes de mais nada, eu queria puxar uma oração, para celebrarmos o nascimento de Jesus - falou Dona Maria - e agradecer a vinda da Sara.
Corei na mesma hora.
   Todos se deram as mãos, então fiz o mesmo. A última vez que tínhamos orado antes de comer, minha avó ainda estava viva.
   Rezamos o Pai Nosso, e a Dona Maria falou mais algumas coisas, acompanhadas do Seu Adão.
– Agora, podemos comer? - reclamou Camila.
– Podemos!
   Pus um pouco do peru no prato, junto com o arroz - que aliás estava sem uvas passas, agradeci mentalmente. 
   Não vou descrever demais sobre a ceia. Resumindo, começou com Dona Maria fazendo mil e uma perguntas sobre mim, então Rafael fez uma piadinha dizendo "Pelo visto você é o assunto da minha janta, Sara". Apenas nós dois rimos. Depois foram conversando sobre parentes que eu não conheço, a irmã de Rafael reclamando da faculdade e o irmão dele repetindo o prato várias vezes.
– Agora, os presentes, vai? - reclamou Hugo.
– Eu começo! - levantou ligeiro Rafael.
   Ele entregou todos os seus presentes, sendo um vestido para sua avó, um disco antigo para seu avô, um livro para sua irmã e um jogo de computador pra seu irmão.
– Como você conseguiu isso, cara? - gritou Hugo.
– Estou juntando dinheiro tem um tempo.
– Obrigado, obrigado, obrigado!
   Rafael pegou mais um presente, e veio até minha direção. Era pra mim. Na hora, senti-me muito culpada de não ter comprado nada para ninguém.
– Uma lembrancinha, de todos da casa.
   Agradeci e abri. Era uma pulseirinha com um pingente de bicicleta.
– É para você nunca esquecer seu tombo aquele dia - riu. Também ri.
   Depois de toda a troca de presentes, Rafael me levou para o seu quarto. Dava para perceber que ele é bem organizado, mas dividia o quarto com o irmão dele, tornando-se assim uma bagunça.
– Sua avó é um amor - disse sentando-me na cama e pegando um de seus livros da faculdade.
– Todos gostam dela - respondeu sorrindo.
   Rafael então sentou ao meu lado, tentando guardar o livro. Persisti, estava folheando. Ele tentou pegar mais uma vez, com um sorriso bobo no rosto, mas não conseguiu. Puxei o livro tão forte, que ele acabou caindo sobre mim. Senti sua respiração próxima a minha, seu perfume inconfundível.
E então nossos lábios se tocaram.
   Um beijo macio e suave, simples e delicado. Senti meu corpo pegar fogo.
– Rafa, a vovó quer saber se a Sara quer levar um pedaço da sobremesa - falou seu irmão abrindo a porta. Logo nos levantamos e nos recompomos.
– Acho que estou incomodando algo, me perdoem - ele gaguejou enquanto sorria sarcasticamente para Rafael.
– Não, tudo bem, eu já estava indo embora mesmo - respondi - Meu irmão deve estar me esperando no Skype.
   Rafael me levou até o portão, e ficou lá comigo enquanto eu esperava o táxi chegar. Fui para casa, falei com meu irmão e fui dormir.
   Ah, e sim. Eu levei um pedaço da sobremesa, se querem saber.

24/12/15 Sara Rosenstock (ansiosa pelas próximas 37 coisas)

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