Feliz Natal! Quer dizer, feliz véspera de Natal! Não importa, é apenas um dia como qualquer outro, mas com comidas caprichadas e presentes. Quer dizer, era. Já tem algum tempo que não comemoramos o Natal dessa maneira aqui em casa. Ano passado, meu pai passou a noite pela rua, provavelmente com alguma prostituta. Minha mãe dormiu o tempo todo. Rosário tira folga nos feriados. Só pude falar com meu irmão pelo Skype. Digamos que não foi a melhor noite do mundo.
Uma coisa que sempre quis fazer, é distribuir brinquedos no dia do Natal. Para crianças carentes, mesmo, pobres. Juntei todos os brinquedos que ainda tinha guardado, e Rafael conseguiu convencer seu irmão mais novo a doar alguns mais antigos também. Conclusão: três sacos enormes cheios de brinquedos.
Encontrei Rafael no ponto de ônibus.
– Feliz Natal! - ele falou sorrindo de orelha a orelha.
– Feliz Natal - respondi.
Subimos no ônibus - com bastante dificuldade, já que as sacolas estavam pesadíssimas - e assim que ele se aproximou mais de mim, reparou nos roxos pelo meu corpo.
– O que aconteceu? - perguntou apressadamente.
Merda.
– Nada.
– Sara, você tá toda roxa! E sua boca tá machucada! O que foi isso?
Merda. Merda.
– Já respondi que nada.
– Sara, isso é sério, dá pra me contar?
– Não! - gritei - Não é da sua conta.
Ficamos calados por um bom tempo. Até que Rafael começou a puxar assuntos aleatórios, e começamos a conversar.
Descemos do ônibus, que parava próximo a comunidade, e fomos andando até lá. Quando chegamos, puxei uma roupa de Papai Noel de uma das sacolas e entreguei-o.
– 'Que isso?
– Vai ter que usar. As crianças vão gostar.
– Não vou usar isso. Olha o calor que tá fazendo!
– Por favor, vai.
Ele me encarou e em seguida encarou a fantasia.
– Onde posso em trocar?
– A moça me disse que podemos usar um banheiro de lá. Depois vamos pro pátio.
E fizemos isso. Rafael vestiu-se de Papai Noel, e eu em seguida pus a roupa de Mamãe Noel. Ou duende. Não sei bem o que era aquilo. A moça chamada Katia nos disse que as crianças do morro já estavam reunidas lá, esperando a gente. E então fomos.
Posso escrever mil palavras, mas nenhuma irá descrever o que eu senti naquele momento, vendo aqueles olhinhos brilhantes. Além de Rafael ser negro, e para crianças negras deve ter sido incrível ver o Papai Noel como elas, o olhar mágico e inocente delas. Lindo.
Fomos entregando aos poucos os presentes, fazendo as perguntas de sempre, se elas se comportaram e o que elas queriam. Rafael entrou muito bem no personagem, se querem saber.
O tempo foi passando, e fomos nos apegando aquelas crianças. Almoçamos por lá mesmo. Ficamos a tarde inteira brincando com elas - depois do Papai Noel e da Mamãe Noel irem embora, dando lugar pra Rafael e Sara, claro. Se eu tivesse que escolher os melhores dias da minha vida, esse sem duvidas estaria entres eles. Foi escurecendo, e percebemos que era hora de ir embora. Nos despedimos, e posso jurar que vi algumas lágrimas escorrendo pelo rosto de Rafael.
– O que vai fazer hoje a noite? - perguntou Rafael já no ônibus.
– O que faço todo Natal, dormir ou reclamar no Twitter.
Ele riu.
– Está convidada pra ceia lá de casa.
Concordei de ir. Não faria nenhum mal. Cheguei em casa e tomei um banho. Decidi usar um vestido mais bonito, que estava guardado no fundo do armário. Usei um pouco de maquiagem pra disfarçar os hematomas, e um batom. Tantos anos sem usar, que acho que perdi a prática.
Rafael me passou o endereço dele por mensagem, e pedi um táxi. Ele morava num bairro humilde, numa casa amarela com portão branco. Toquei a campainha, e escutei latidos. O portão abriu, e um cachorro pequenino pulou em cima de mim.
– Sara, esse é o Amendoim - falou Rafael - Relaxa, ele só vai te cheirar.
Rafael estava mais arrumado do que o costume. Bem, eu também estava. Ele usava uma blusa xadrez, com uma calça jeans e tênis novinhos. Estava mais perfumado que o normal.
– Está bonita! - ele disse.
– Você também - sorri timidamente.
– Vem, vou te apresentar para a família!
Fomos até lá, onde fui recebida com muitos beijos e abraços dos avós de Rafael.
– Então, Sara, essa é minha avó Maria!
– Prazer - disse estendendo uma mão. Ela me puxou num abraço apertado, desejando-me Feliz Natal.
– Esse é meu avô Adão. Aquela ali com cara de emburrada é minha irmã Camila e esse pestinha aqui - ele disse pegando seu irmão no colo - é o Hugo! Mas já ouviu falar dele.
Falei com todos, e então nos sentamos a mesa. Não era nada comparado com as festas de Natal que costumávamos ir antigamente, mas era bem farta.
– Bom, antes de mais nada, eu queria puxar uma oração, para celebrarmos o nascimento de Jesus - falou Dona Maria - e agradecer a vinda da Sara.
Corei na mesma hora.
Todos se deram as mãos, então fiz o mesmo. A última vez que tínhamos orado antes de comer, minha avó ainda estava viva.
Rezamos o Pai Nosso, e a Dona Maria falou mais algumas coisas, acompanhadas do Seu Adão.
– Agora, podemos comer? - reclamou Camila.
– Podemos!
Pus um pouco do peru no prato, junto com o arroz - que aliás estava sem uvas passas, agradeci mentalmente.
Não vou descrever demais sobre a ceia. Resumindo, começou com Dona Maria fazendo mil e uma perguntas sobre mim, então Rafael fez uma piadinha dizendo "Pelo visto você é o assunto da minha janta, Sara". Apenas nós dois rimos. Depois foram conversando sobre parentes que eu não conheço, a irmã de Rafael reclamando da faculdade e o irmão dele repetindo o prato várias vezes.
– Agora, os presentes, vai? - reclamou Hugo.
– Eu começo! - levantou ligeiro Rafael.
Ele entregou todos os seus presentes, sendo um vestido para sua avó, um disco antigo para seu avô, um livro para sua irmã e um jogo de computador pra seu irmão.
– Como você conseguiu isso, cara? - gritou Hugo.
– Estou juntando dinheiro tem um tempo.
– Obrigado, obrigado, obrigado!
Rafael pegou mais um presente, e veio até minha direção. Era pra mim. Na hora, senti-me muito culpada de não ter comprado nada para ninguém.
– Uma lembrancinha, de todos da casa.
Agradeci e abri. Era uma pulseirinha com um pingente de bicicleta.
– É para você nunca esquecer seu tombo aquele dia - riu. Também ri.
Depois de toda a troca de presentes, Rafael me levou para o seu quarto. Dava para perceber que ele é bem organizado, mas dividia o quarto com o irmão dele, tornando-se assim uma bagunça.
– Sua avó é um amor - disse sentando-me na cama e pegando um de seus livros da faculdade.
– Todos gostam dela - respondeu sorrindo.
Rafael então sentou ao meu lado, tentando guardar o livro. Persisti, estava folheando. Ele tentou pegar mais uma vez, com um sorriso bobo no rosto, mas não conseguiu. Puxei o livro tão forte, que ele acabou caindo sobre mim. Senti sua respiração próxima a minha, seu perfume inconfundível.
E então nossos lábios se tocaram.
Um beijo macio e suave, simples e delicado. Senti meu corpo pegar fogo.
– Rafa, a vovó quer saber se a Sara quer levar um pedaço da sobremesa - falou seu irmão abrindo a porta. Logo nos levantamos e nos recompomos.
– Acho que estou incomodando algo, me perdoem - ele gaguejou enquanto sorria sarcasticamente para Rafael.
– Não, tudo bem, eu já estava indo embora mesmo - respondi - Meu irmão deve estar me esperando no Skype.
Rafael me levou até o portão, e ficou lá comigo enquanto eu esperava o táxi chegar. Fui para casa, falei com meu irmão e fui dormir.
Ah, e sim. Eu levei um pedaço da sobremesa, se querem saber.24/12/15 Sara Rosenstock (ansiosa pelas próximas 37 coisas)
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50 Coisas Que Fiz Antes De Morrer
RomanceSara Rosenstock vai se matar no fim das férias. Mas antes disso, ela decide fazer uma lista com 50 coisas que sempre quis fazer, uma para cada dia. Em seu diário, Sara conta cada experiência da lista, além de seus segredos e suas reflexões.