Cap 1- Beijar um desconhecido na rua

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Dia 1 - beijar alguém desconhecido na rua

   Primeiro dia de férias. Hoje é o início da lista. Hoje que tudo começa. Hoje - e pelos próximos 50 dias - meus dias sofridos finalmente serão recompensados. E depois disso, adeus para Sara Rosenstock. Pela manhã pensei em desistir, sabe? Pensei que era uma ideia estúpida, pensei em amassar a lista e jogar fora, pensei em pedir ajuda, pensei em me tratar. Mas depois lembrei dos meus motivos, e aliás, quem iria me ajudar? Ninguém.
   Levantei rápido da cama e fui tomar o café tentando ao máximo não ter nenhum contato com meus pais. Era a mesma coisa toda manhã: minha mãe tentava esconder o cheiro de bebida enquanto meu pai lia o jornal. Eles saiam juntos e iam pro trabalho. Incrível como eles interpretam o papel de família perfeita tão bem. Mas basta trancar uma porta e fechar as cortinas que tudo mudava. Não somos mais uma família perfeita.
   Vesti a mesma roupa que estava usando esses dias. Uma camiseta listrada e uma calçada jeans surrada. Ela ainda não tinha sido lavada, mas não me importo. Eu realmente não estava disposta à sair de casa. Na verdade nunca estou. Eu poderia ficar o resto dos meus dias na cama assistindo séries da Netflix. Mas eu precisava pôr a lista em prática.
– Hum, vai sair? Tá bonita! - falou Rosário. Ela é nossa empregada, um doce. As vezes acho que Rosário é a única boa nessa casa. Fico triste por ela ter que estar todo dia nesse lugar tóxico.
– Claro que não - ri. Sabia que não era verdade. Mas sempre que eu saio de casa, ela me elogia. Pra me ajudar, acho. Talvez Rosário seja a única pessoa que me ajudaria.
   Peguei meu celular e saí. Fui andando até o ponto de ônibus - que estava vazio como sempre - e me sentei. Coloquei uma música no fone e comecei a cantarolar em minha mente.

"Mom, please, wake up, dad's with a slut
And your son is smoking cannabis"

Fechei os olhos por um estante e quando abri, um garoto estava na minha frente.
– Sara! Meu Deus! - ele sorria - Quanto tempo!
Encarei-o séria.
– Ah, 'vamo lá, Sarinha! - ele sentou do meu lado - Não lembra de mim?
– Não.
– Sou eu, Arthur! Estudamos juntos no oitavo ano.
   É claro que eu me lembrava quem esse idiota era. Reconheceria aquele topete loiro em qualquer lugar. Era um garoto que gostava de mim. Como esqueceria? Ele me agarrou numa festa de uma amiga, alguns anos atrás. Empurrei-o tão forte que ele caiu no chão e se machucou todo.
– Olha, cara - disse me levantando para pegar o ônibus - Eu realmente não lembro de você. E pode apostar que se eu lembrasse, acredito que fingiria que não.
   Entrei no ônibus e olhei pela janela. Arthur continuava ali sentado, tentando me achar pelas janelas do ônibus. Até que me encontrou. Desviei o olhar, dando graças a Deus quando o ônibus começou a andar.
   Estive pensando muito tempo aonde iria fazer isso. E como faria. Puxar alguém desconhecido e beijar na rua não é legal. Muito pelo contrário. Arthur fez isso comigo e olha o que aconteceu! Como fazer isso sem ser uma babaca?
   Você deve estar se perguntando: "Se é tão difícil assim, por que escolheu isso?". Achei que seria divertido. Vi algo assim num filme uma vez e realmente quis tentar na vida real, mas faltou coragem. O destino é traiçoeiro, eu pensava, e se um dia eu reencontrar aquela pessoa? Mas agora, bom, não terei um futuro. Não tenho que ter medo de consequências. 
   Fui até uma pracinha do bairro vizinho e fiquei ali sentada num banco. Alguns velhos jogavam xadrez enquanto outros davam pedaços de pão aos pombos. Tinha muitas crianças também, correndo pra lá e pra cá. Lembrei vagamente de uma vez quando era criança e fui ali. Bons tempos.
   Enquanto ficava ali, relembrando momentos bons da infância, meus olhos se encontraram com os de outra garota. Ela era alta e aparentava ser um pouco mais velha que eu - talvez uns 18 anos. Seu cabelo curto tinha uma franjinha que caía levemente pelos seus olhos azuis. Ela estava encostada num poste, e assim que percebeu que eu a encarava, começou a mexer no celular. Ia ser ela.
   Levantei-me, colocando o celular no bolso da calça. Fui andando lentamente até ela, que demorou pra perceber minha presença.
– Oi! - a menina finalmente disse, abrindo um sorriso tímido.
   Não ia conversar, não ia me apegar. O foco era beijar uma pessoa desconhecida e ir embora. E era isso que eu ia fazer. Fui chegando perto dela, empurrando-a contra o poste ignorando as perguntas que ela fazia. Então a beijei. Achei que ela iria me empurrar - talvez até me bater - e começar a me xingar de todos os nomes possíveis, mas não foi isso que aconteceu. Ela apenas retribuiu o beijo. Foi um beijo intenso. Ficamos alguns segundos ali nos olhando, até que fui embora. Ela gritava atrás de mim coisas, pedindo meu nome e se nos encontraríamos de novo. Não respondi, apenas continuei andando e ignorando os olhares feios que recebia das pessoas ali presentes.
   Eu já havia beijado garotas antes, e já tinha quase namorado uma. Mas nunca em público - já que meus pais me matariam se descobrissem. Sempre me preocupei em esconder bem esse meu lado, aproveitando o fato que também gosto de homens e focando apenas neles. Mas daqui alguns dias eu nem mesmo estarei viva, eu não vou me esconder até o último dia da minha vida.
   Cheguei em casa e me deitei na cama. Qual será o nome daquela garota? Paula? Angela? Fernanda? E como será a vida dela? Será que nos daríamos bem? Ou se nos conhecêssemos melhor iríamos nos arrepender daquele beijo? Tantas perguntas e nunca terei uma resposta. A única coisa que posso fazer é pensar na garota da franja nos olhos. É um bom apelido. 

12/12/2015 - Sara Rosenstock (ansiosa pelas próximas 49 coisas)

50 Coisas Que Fiz Antes De MorrerOnde histórias criam vida. Descubra agora