《 Luhan, o pintor 》

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Ele é verde vilarejo, como gosta de se chamar. Verde sussuro-de-árvore. E era também meu tom favorito de verde. Verde Luhan.

Luhan e seu verde estão presentes na minha infância e no meu presente. Quando ele me ensinou a associar cores com sentimentos, eu sabia que o pintor gentil precisava de uma cor especial.

Então eu dei-lhe o verde. E Luhan e sua cor passaram a ser um só.

O cheiro de terra molhada, a grama arranhando a sola dos meus pés em um dia quente, a brisa de primavera que entrava pela janela do meu quarto. Meu verde é isso.

Foi ele que me fez me lembrar das sensações da infância e foi ele quem as coloriu de verde. Cor que eu nunca verei mas saberei distinguir, porque é a cor dele.

Nunca imaginei que naquele dia fatídico, eu o encontraria. Na biblioteca

Eu fingia ser alguém normal, estava de óculos escuros, pedia para alguém ler o título do livro que eu sabia ser de arte -por vários dias, eu passei pelo meu corredor proibido, toquei as lombadas, senti as texturas e secretamente tentei poder enxergar, mas acabei sempre  aos prantos no meu quarto- meu desejo proibido estava mais aflorado hoje, me sentia corajoso e comecei a folhear o livro como se o estivesse lendo mesmo com o estranho parado ao meu lado.

"A bengala?" "Acidente"

Alguns segundos em silêncio, mas a curiosidade do estranho era tão perceptível quanto sua respiração.

"Muito interessante essa obra, não acha?"

Eu afrouxei, perdi minha coragem, percebi que só estava fazendo papel de criança usando uma fantasia. Uma farsa

Estava doendo, doendo muito

"Sim, sim muito interessante"

Abaixei a cabeça e como bom mentiroso que mente a si mesmo, entreguei o livro ao estranho, estava na hora de tirar a fantasia mas antes eu teria que desfilar pela cidade mostrando a todos meu chapéu de bobo.

Ouvir todas as conversas, precisamente aquelas que começavam com "você viu..." , era a minha condenação.

Todas as quintas o estranho estava lá, e todas as quintas eu usava óculos escuros, os largaria quando minha pena estivesse cumprida. Minha humilhação era fingir ao estranho amigo que era alguém que não era.

E Luhan esperou pacientemente a minha confissão durante três meses, não me forçou a nada ,ele sabia que era uma dívida comigo mesmo. Na mesma tarde em que lhe revelei meu nem-tão-secreto-segredo, me convidou para seu apartamento.

Descobri azul e os problemas alcoólicos e financeiros de meu amigo que sempre me parecera tão perfeito quanto sua voz mas Luhan era tão problemático quanto o garoto cego.

Havia exagerado nas doses, isso eu sabia, mas não imaginei que fosse me levantar e colocar minha mão sobre os pingos de chuva que caiam na janela.

"Isso é o azul"
"Não entendo"
"Vamos la para cima"

Do alto do prédio, eu ouvia o barulho urbano ao longe como se estivesse nas nuvens. Soprava frio e meu cabelo pingava

"Tire a roupa"
"Como?"
"Tire a blusa"

Eu tirei e o vento abraçou meu torso, os pingos caiam livres pela minha pele. Era uma sensação nova que não tinha nome

"Isso é o azul"

Azul. Eu gostava disso.

Antes de ir embora, ele me abraçou e foi reconfortante e azul.

Meu pai ralhou comigo quando eu cheguei em casa.Mas eu estava perdido em um mundo azul. Foi ai que eu descobri índigo.

Era aquela sensação de tudo e nada, estar sozinho numa multidão. Aquilo era eu

Contei os dias para a próxima quinta, porém para me torturar ela veio deslizante a passos de lesma, não percebendo minha ansiedade para que o pintor me contasse mais sobre o azul.

Com ele eu soube quem eu era, não completamente, mas eu já tinha o início.

Meu pintor, como eu chamava mentalmente, tinha métodos diferentes para conceituar as cores. As vezes eram bons, as vezes doía, dependia muito da cor.

Me pintava com cores azuis e amarelas, eu ficava feliz mas quando deslizava as mãos sobre a tela, cerrava os olhos e quando os abria, tentava ver.

Luhan se sentia mal, eu me sentia mal por ser tão frágil. Falava que eu era tão precioso que me botaria dentro de uma redoma e eu ria.

-De que cor é uma redoma?

-A sua seria azul

-E que tal verde?

-Qual tom?

-Todos eles.

Porque Luhan era verde e eu gostava de todo tipo de verde.

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Índigo 《Xiumin》Onde histórias criam vida. Descubra agora