02. Um bom dia para viver

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Será que hoje é um bom dia para morrer?

Me faço essa pergunta todos os dias quando acordo. E quando estou escovando os dentes. E naquela aula chata de álgebra. E enquanto estou no hospital, fazendo minhas sessões de quimioterapia.

Você sabe que esse dia não tardará quando dentro do seu corpo há um linfoma.

Mas está demorando e tenho pressa. Já perdi os pelos do meu corpo, estou careca e até minhas sobrancelhas já estão mais rasas. Não gosto de deixar que as pessoas me vejam. Umas me olham com dó; outras têm a coragem de perguntar se passei em alguma universidade, por causa do corte horrível de cabelo.

Meus amigos sofrem comigo. Meus pais sofrem comigo. Eu sofro. Então, tecnicamente, esse seria um ótimo método para acabar com todo o sofrimento do meu mundo de uma vez.

Olho para baixo e meu estômago se revira. Sei que estou pálido e com os lábios brancos porque sinto como se todo o sangue do meu corpo estivesse sendo drenado.

Não é uma sensação boa, mas estou nessa mesma posição há muito tempo.

Cheguei aqui no horário de abertura, às dez horas da manhã, e por mais que eu não saiba quantas horas são exatamente, sei que está tarde porque o frio aumentou gradativamente e o céu está escuro.

Estou estrategicamente posicionado para cair bem em frente ao Túmulo do Soldado Desconhecido. O monumento foi criado em 1921, no nível do chão, sob o Arc de Triomphe. Ali estão as cinzas de um soldado desconhecido morto durante a Primeira Guerra. É um bom lugar para cair, sujando o chão com o meu sangue, deixando minha marca em um lugar histórico.

Talvez você esteja se perguntando por que Arc de Triomphe, não é? Não tenho uma boa explicação, aqui simplesmente me parece um bom lugar para protagonizar uma morte heroica. Estou envolto por nomes de generais corajosos e guerreiros, é quase como escrever meu próprio nome em um lugar glorioso.

Fecho meus olhos, o vento está cada vez mais forte e as pontas do meu cachecol azul balançam sem muita harmonia. Fora o barulho da desordem do trânsito logo abaixo, aqui em cima tudo está calmo e silencioso. Prefiro assim. Não desejo plateia ou alguém para tentar me convencer de que, talvez, eu não deva fazer o que eu quero fazer.

Ou era isso que eu achava até ouvir passos atrás de mim.

No escuro, observo quando a expressão da garota muda de cansada para maravilhada. Segundos depois, ela roda por todo o terraço, grita e sorri. Sinto minhas bochechas tremerem indicando um sorriso que quero exibir, mas que não condiz com meu objetivo nessa noite.

Ela corre até uma das lanternas com a esperança de poder ligá-la, mas será sem sucesso. Sei disso porque estou aqui há muitas horas e, obviamente, tentei fazer isso antes. De fato, a luz não acende, mas a garota continua sorrindo, demonstrando uma animação que há tempos não sinto.

Vejo quando guarda o celular na mochila rasgada e aparentemente velha que traz consigo. Depois, pega a caixa de sapatos que mais cedo utilizei para sentar em cima. Cuidadosamente posiciona a mochila sobre ela para que não caia e molhe. O chão está úmido por causa do relento.

Com passos lentos ela segue até a beirada. Primeiro, agarra as barras de ferro com as mãos, parece ter medo de cair, mas ainda está sorrindo.

Me pergunto se, talvez, seu sorriso não esteja congelado pelo tempo frio. Seu cabelo escuro, ou é o que parece contando somente com a iluminação da lua, está descontrolado. Voa para todos os lados e acerta o rosto da garota, grudando alguns fios em sua boca pintada de batom vermelho.

Étoile [conto]Onde histórias criam vida. Descubra agora