Capítulo XII

365 6 0
                                    

Nessa semana, uma manhã, Jorge, que se não recordava que era dia de gala, encontrou a secretaria fechada e voltou para casa ao meio-dia. Joana à porta conversava com a velha que comprava os ossos; a cancela em cima estava aberta; e Jorge, chegando despercebido ao quarto, surpreendeu Juliana comodamente deitada na chaise longue, lendo tranqüilamente o jornal.

Ergueu-se, muito vermelha, mal o viu, balbuciou:

— Peço desculpa, tinha-me dado uma palpitação tão forte...

— Que se pôs a ler o jornal, hem?... — disse Jorge, apertando instintivamente o castão da bengala. — Onde está a senhora?

— Deve estar para a sala de jantar — disse Juliana, que se pôs logo a varrer, muito apressada.

Jorge não encontrou Luísa na sala de jantar; foi dar com ela no quarto dos engomados, despenteada, em roupão de manhã, passando roupa, muito aplicada e muito desconsolada.

— Tu estás a engomar? — exclamou.

Luísa corou um pouco, pousou o ferro. — A Juliana estava adoentada, juntara-se uma carga de roupa...

— Dize-me cá, quem é aqui a criada e quem é aqui a senhora?

A sua voz era tão áspera, que Luísa fez-se pálida, murmurou:

— Que queres tu dizer?

— Quero dizer que te venho encontrar a ti a engomar, e que a encontrei a ela lá embaixo muito repimpada na tua cadeira, a ler o jornal!

Luísa, atarantada, abaixou-se sobre o cesto da roupa lavada, começou a remexer, a desdobrar, a sacudir com a mão trêmula...

— Tu não podes fazer idéia do que aqui vai por fazer — ia dizendo. — É a limpeza, são os engomados, é um servição. A pobre de Cristo tem estado doente...

— Pois se está doente que vá para o hospital!

— Não, também não tens razão!

Aquela insistência em defender a outra, que se repoltreava embaixo na sua chaise longue, exasperou-o:

— Dize cá, tu dependes dela? Havia de dizer que tens medo dela!

— Ah! Se estás com esse gênio! — fez Luísa com os beiços trêmulos, uma lágrima já nas pálpebras.

Mas Jorge continuava muito zangado:

— Não, essas condescendências hão de acabar por uma vez! Ver aquele estafermo, com os pés para a cova, a prosperar em minha casa, a deitar-se nas minhas cadeiras, a passear, e tu a defendê-la, a fazer-lhe o serviço, ah! Não! É necessário acabar com isso. Sempre desculpas! Sempre desculpas! Se não pode que arreie. Que vá para o hospital, que vá para o inferno.

Luísa lavada em lágrimas assoava-se, soluçando.

— Bem! Agora choras. Que tens tu? Por que choras? Ela não respondia, num grande pranto.

— Por que choras, filha? — perguntou ele com uma impaciência comovida, chegando-se a ela.

— Para que me falas tu assim? — dizia, toda soluçante, limpando os olhos. Sabes que estou doente, nervosa, e tens mau gênio para mim! O que me sabes dizer são coisas desagradáveis.

— Coisas desagradáveis! Minha filha, eu disse-te lá nada desagradável! — E abraçou-a, ternamente.

Mas ela desprendeu-se, e com a voz cortada de soluços:

— Então é algum crime estar a engomar? Porque trabalho, porque trato das minhas coisas, zangas-te? Querias que eu fosse uma desarranjada? A mulher tem estado doente! Enquanto se não arranja outra é necessário fazer as coisas... Mas tu falas, falas! Para me afligir!...

O Primo Basílio - Eça de QueirósOnde histórias criam vida. Descubra agora