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Maybe together we can get somewhere, any place is better

Starting from zero we've got nothing to lose, maybe we'll make something

- Tracy Chapman - Fast Car



As luzes da casa estavam devidamente apagadas e, para garantir que seus pais pensassem dessa maneira, Benjamin Mason usava uma lanterna para ler o enorme e grosso livro apoiado em seu colo.

Ainda que já houvesse sido aprovado na prestigiada faculdade de King's College, o tema genética não conseguia sair dos seus pensamentos. E nem seria leviano em dizer que não sabia porque, uma vez que seus olhos se voltaram imediatamente para o envelope pardo sobre sua escrivaninha.

Não podendo resistir à tentação, aproveitou-se da luz que entrava pela janela ainda aberta, e foi até a mesa, tocando de leve o envelope. Os nomes preenchidos no documento ali dentro eram tudo o que Ben possuía que pudesse lhe informar quem ele realmente era.

Pensara realmente em ir atrás deles. A Irlanda não era longe e, segundo os documentos, era lá que constava o último endereço de sua mãe. Era um direito seu, como um filho adotado que finalmente atingira a maioridade.

Porém, a simples ideia empalidecia seu pai Nate e entristecia seu pai Pete. Sendo assim, Ben arquivou a ideia. Não era nada tão importante assim conhecê-los. Afinal, o que queria saber? Certamente não o porquê de haver sido abandonado, já tivera anos em orfanatos pelo país para saber que isso já não importava mais. Não era o filho que queria conhecer os irlandeses que lhe deram a vida, mas o futuro geneticista.

Em sua cadeia de pensamentos, Benjamin acreditava que era até mesmo antiético que ele desvendasse a linhagem de uma porção de pessoas, descobrindo o que formava a maravilha de seus DNAs sendo que ele mesmo não sabia do que se compunha o dele. Era a curiosidade que o levava a continuar observando aquele envelope sem parar.

Todavia, a gratidão era o que o fazia continuar no mesmo lugar em que estava.

Passaria o último verão em casa antes de ir para a faculdade, como deveria ser. Aproveitando-se dos últimos momentos da constante aventura que era viver com seus dois pais. Ouvindo Nathan cantar desafinado no banheiro, observando o seu pai Pete mergulhado em livros, fazendo uma de suas pesquisas bibliográficas, sentiria falta dos cafés da manhã barulhentos, das conversas francas e da cumplicidade que havia entre eles.

Era como se existisse sempre um elo entre os três, aproximando-os mais a todo segundo. Algo que não precisava de palavras, que começara no exato momento em que o casal havia colocado seus olhos no menino de olhos verdes e decidira que ele era o membro que a família precisava. E Benjamin era grato a eles por esse momento e por aquele elo que parecia mais inquebrantável a cada segundo.

Devia muito a eles. Devia tanto que era por isso que aquele envelope, e o próprio Ben, continuavam no mesmo lugar. Na Inglaterra. Como tinha de ser.

Percebendo que longe dos olhos poderia também ser longe do coração, ou da cabeça, como exigia o caso, Ben colocou o envelope dentro de uma gaveta, fechando-a com força como se para garantir que o assunto dela não viesse à tona nunca mais.

Seus pais já tinham muito com o que lidar.

O preconceito com o simples fato de serem tão devotados um ao outro e serem do mesmo sexo, o descaso com a sua situação como casal e então vinham todas as ofensas por terem a coragem de dar amor e um lar a alguém cujos pais heterossexuais não haviam provido tais coisas.

A cada dia enfrentavam uma nova luta da mesma batalha, mas sabiam que, enquanto estivessem juntos, estariam vencendo. Um era o prêmio do outro, e juntos, eram capazes do que quer que fosse. As ofensas, o preconceito, o descaso e todo o resto, ficavam do lado de fora da cerca branca que pintavam regularmente. A partir daquele gramado, só existia amor.

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