tempo

17 0 0
                                    

Quando você acha que as coisas já estão ruins o suficiente, elas sempre podem piorar.
Na segunda-feira depois da aula, eu vi o Charles encaixotando as coisas dele. Ele ia se mudar pra um apê no centro, ia dividir com mais um colega da faculdade, ou seja, nada de visitas aos fins de semana. Achei que fosse cedo demais pra já ir guardando as coisas. Daí entrei no meu quarto e vi caixas empilhadas no canto. Joguei a mochila na cama e sai atrás da minha mãe. Ela estava no ateliê dela. Um quarto que tinha se transformado num ateliê, na verdade. Enrrolando as coisas em plástico bolha. A gente só ia embora dali a três semanas, ou eles estavam muito ansiosos ou o prazo já Tinha se encurtado enquanto eu estava na escola.
"Mãe" eu chamei, mas ela não me ouviu. Estava com fones de ouvido. "Mãe" Chamei ela novamente, só que dessa vez mais alto. Ela levou um susto e sorriu pra mim tirando os fones dos ouvidos. " Oi meu amor, não tinha ouvido você. Já vamos almoçar." Ela se virou pra uma caixa grande e depositou ali mais um embrulho. "Porque vocês tão encaixotando tudo já?" Ela paralisou e se virou pra mim com um sorriso estranho no rosto. "Vamos almoçar, seu pai já chegou também." Meu pai trabalhava num banco. Não sei muito bem o que ele faz, mas foi transferido pra uma outra filial e esse é o motivo de eu estar de mudança programada. Minha mãe é artesã, pode ser artesã onde estiver. E eu sou estudante, como meu pai diz, tem boas escolas por todo o país.
Almoçamos almôndegas ao molho italiano. Minha mãe cozinha muito bem. Desde que ela parou de trabalhar por causa de um acidente que a deixou com uma perna mais curta que a outra, ela se dedicou a mil hobbys. Patchwork, renda, scrapbook, receitas. Todos eles executados muito bem, por sinal. Minha mãe é tão eficiente que consegue ganhar dinheiro com toda essa diversão. Vende bolos e doces. Faz colchas, bolsas e uma infinidade de coisas com tecidos. Temos álbuns personalizados pra cada pequeno evento. Do primeiro banho de piscina à aniversário de casamento. Minha mãe tem muitos clientes aqui em Margarida do Norte, mas depois do acidente o que ela queria mesmo era se mudar e começar uma história nova. Já faz mais de anos e acho que por mais que ela queira ser positiva em relação ao acidente, ela ainda sofre. Coloquei uma almôndega inteira na boca. Eu sei que é falta de educação, eu sou uma menina e coisa e tal. Mas era tão bom que eu não consigo resistir. Ela cabe perfeitamente na minha boca. Meu pai me olha com as sobrancelhas erguidas. Acho que tá assustado com a minha gula. "Nanda, vou direto ao ponto" me preparei pra mais um dos discursos do meu pai sobre boas maneiras e sobre como se portar a mesa. É claro que eu já sabia de cor. Estava mastigando a minha almôndega deliciosa e ele continua "Precisei antecipar a minha ida" Surpresa, comecei a tossir. Senti um pedaço indo pela via respiratória e vi a morte. Tossi com mais força e um pedaço de almôndega caiu na mesa. Meu irmão fez uma cara de nojo e minha mãe também. Tomei um gole longo de água e perguntei ao meu pai "Quando?" Ele suspirou e disse baixo "Sábado." Todos em silêncio. Minha família adora me apunhalar pelas costas e isso é fato. Como assim sábado? Queria poder dizer que joguei os pratos no chão e gritei com eles. Mas não. Terminei de comer as almôndegas e pedi licença pra sair da mesa. Pedalei o mais rápido que pude em direção a casa da Suze. Minha amiga tinha que me dar conforto naquele momento. Só ela. Quando cheguei na casa dela, ela estava sentada no sofá comendo azeitonas sem caroço direto do vidro enquanto assistia a um desenho animado na TV. Me joguei ao lado dela e ela só moveu os olhos. "o que que deu?" ela perguntou com a boca cheia. "Nos vamos embora" ela deu de ombros "disso eu já sei, ué" "no sábado" um soluço involuntário saiu da minha garganta. Não me pergunte porque. Eu não sei donde saiu. Ela pousou o pote sobre a mesa de centro e se virou pra mim. "Que merda é essa agora?" Eu sei! Era como eu me sentia também. Só não podia perguntar isso pro meu pai, claro. Mas eu também queria saber que porcaria ele tava pensando. Peguei o vidro das azeitonas e pesquei três de uma vez. Dei de ombros enquanto mastigava. "Isso nos dá quatro dias." Eu sabia. Assenti e minhas orelhas começaram a ficar quentes. Sintoma de lágrimas. "Vamos fazer uma festa de despedida" Eu ri. Quem que iria na minha festa de despedida? Ela, e o Tony talvez, se ela convidasse. "Que ótimo! Uma festa porque eu vou embora." Eu sei que não era essa a intenção dela. E ia ser muito legal. Fazer uma festa, pra variar. "O que você acha de fazer ali na piscina?" Ela tirou o vidro da minha mão e continuou a comer as azeitonas. Na casa da Suze tinha uma piscina. E uma casa de piscina, igual em "The O.C". A mãe dela não deixava a gente dormir lá e nem nada, mas já perdemos algumas tardes comendo pipoca e vendo TV por ali. "Podíamos colocar umas luzes e comprar uns canudinhos coloridos e tal" Assenti. "sua mãe não vai deixar" Vasculhei o Vidro mas já não tinha mais nenhuma azeitona ali. "Claro que vai. Vou dar jeito." Ela sorriu e me abraçou. O que eu podia fazer a não ser, esperar?

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 04, 2016 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Andando Sobre NuvensOnde histórias criam vida. Descubra agora