Capítulo - 1

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Colocou os fones que tocavam um rock qualquer e caminhou lentamente até o grande portão verde da escola particular que estudava. Ajeitou sua mochila nas costas e respirou fundo antes de entrar. Só mais um dia, repetia mentalmente, como um mantra, só mais um dia.


Sentou-se no banco ao lado da janela da sala do terceiro ano, onde as crianças tinham aula de música. Tocavam, com a flauta doce, uma música natalina, para a apresentação no final do ano. Ela tirou o livro de capa dura de dentro da mochila e o abriu na página do marcador.

Antes de começar a ler, pôde ver as garotas com quem estudava do outro lado do pátio, olhando para ela e soltando risadinhas, enquanto cochichavam alguma coisa. Odiava aquelas garotas como odiava a escola, o diretor e todos aqueles garotos idiotas, e a única coisa que fez foi descer os olhos para algum ponto invisível em seus All Stars, para esconder a dor que ainda estava sentindo. Apesar de ter passado muito tempo, aquelas cicatrizes ainda ardiam.

Quando voltou os olhos para as letras escuras do livro, o sinal do início das aulas soou. Como não queria ser expulsa de mais uma escola, teve que se levantar e caminhar até a sala como todo mundo. E só fez isso porque não queria ter mais uma briga com seu pai. Os gritos eram a única forma de comunicação entre eles.

Como fazia todos os dias, ligou o piloto automático e seguiu até a sala 12, depois das escadas, no final do corredor verde. Já que todos os lugares bons estavam ocupados, teve de se sentar ao lado da janela sem cortinas, que, àquela hora da manhã, era o lugar mais quente de toda a sala.

A primeira aula seria de redação, a matéria que Alice mais abominava. O professor logo entrou na classe e todos ficaram em silêncio. O Sr. Garcia, o educador mais novo da grade escolar - e o mais ridículo e metido também -, logo pediu para que todos entregassem a pesquisa do bimestre e fez um sorteio.

Na semana anterior, ele pedira para que todos os alunos fizessem um poema sobre o que sentiam no momento que escreviam. Como Alice não era hipócrita fez exatamente isso, colocando em detalhes todas as suas frustrações e medos.

Como por obra do destino, o nome dela foi sorteado de dentro do aquário e ela teve de ir à frente da sala e ler seu poema. Com a voz rouca e trêmula, começou, sentindo todos os medos daquele momento voltando para ela com força total. Ainda podia se sentir naquele banheiro de sua casa, suas mãos tocando os ladrilhos frios, o sangue escuro e espesso pingando no chão claro.

Um, dois, três cortes.
Quem é a ridícula, agora?
Engolindo o medo, saboreando a dor,
O que mais pode vir depois?

Quatro, cinco, seis cortes.
Quem é a esquisita, agora?
Engolindo os xingamentos, saboreando a dor,
O que mais pode vir depois?

Sete, oito, nove cortes.
Quem é a deslocada, agora?
Engolindo a insegurança, saboreando a dor,
O que mais pode vir depois?

Dez cortes.
Estão batendo na porta.
"Estou bem", engolindo o choro,
O que mais pode vir depois?

Os pingos de sangue no chão
eram como rosas vermelhas
num dia quente e úmido
de primavera.

As letras escuras escritas nervosamente nas páginas brancas do fichário deixavam a história daquela garota assustada ainda mais real. Alice, apesar de não olhar para o professor ou para os alunos, sentiu vários olhares direcionados a ela. Cortando o silêncio, Sr, Garcia disse, sua a voz um pouco baixa demais:

Apenas AliceOnde histórias criam vida. Descubra agora