Capítulo #3

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"Para ser sincero, nem sei por onde começar... Assim que as guerras iniciaram? Acho que este é o melhor ponto de partida, afinal nada antes disso importa mais.

Obviamente, como muitos, nós não esperávamos que a guerra viesse para nosso país, digo minha mãe, meu pai e eu. Esperávamos que fossemos sofrer com alguma crise, ou algo do gênero, mas assim que anunciaram que tropas da Betria estavam vindo em direção de nosso país, entramos em pânico. Primeiramente meu pai foi chamado pelo exército. Sendo filho único, tive o direito de escolher entre me juntar ao meu pai, ou cuidar da minha mãe. Meu velho insistiu que eu ficasse, e com muitas lagrimas, minhas e de minha mãe, eu fiquei.

No começo não foi tão ruim. Evitávamos qualquer tipo de comunicação sobre a guerra, ou melhor, minha mãe. Ela tinha medo de saber o que estava acontecendo e imaginar meu pai naquela situação. Eu não, me mantinha o máximo informado, afinal tinha que saber o que estava nos esperando. Os dias passavam devagar. Com a guerra já durando quase três meses, os preços começaram a subir. Água, luz, gás, os alimentos então, passamos diversos dias apenas comendo pão e uma sopa rala. Até que minha mãe surtou, na semana que paramos de receber notícias do meu pai. Tentei acalma-la, dizendo que ele estava ocupado ou não tinha chances de nos mandar mensagens, mas no fundo nós sabíamos. Foi então que decidi pedir para minha namorada nos deixar passar um tempo na casa dela. Minha mãe concordou que seria uma boa ideia e por fim fomos.

Novamente, no início foi tranquilizante, meu sogro e sogra ajudavam bastante minha mãe, mas logo quando tudo parecia ficar melhor a guerra chegou aqui, na cidade de Neflin. Explosões para todos os lados, tropas armadas, o medo das ruas, das pessoas, de morrer. E como se não bastasse o medo de tudo, não tínhamos para onde ir a não ser ficar em casa. Foram dias trancafiados, racionando cada grão de arroz para que não passássemos fome, com uma ou duas velas acesas, para não dar pistas de que a casa estava ocupada.

Mal conversávamos e a tensão era imensa, até que uma noite a casa foi atacada. Fizemos de tudo para parar os invasores, mas eles eram maiores em número e força. Me lembro até hoje, vividamente. Eram em cerca de doze pessoas, todas encapuzadas e com armas caseiras. Jogávamos móveis, roupa, eletrônicos, pratos, tudo que conseguíamos pegar, em cima deles tentando o máximo nos defender. No final, nos cercaram e eu acabei desmaiando de tanto apanhar. Naquela noite minha mãe, minha sogra e um dos meus cunhados morreram. Os invasores fugiram com todo nosso dinheiro e parte de nossa comida. E quer saber qual é a pior parte disso tudo? Eles não eram militares, nem tropas estrangeiras, eram apenas neflianos que vieram saquear a casa. Pessoas de nosso próprio país, nossa própria cidade, que quiseram tomar vantagem de uma guerra idiota e acabaram levando a vida de três pessoas inocentes. Três pessoas que amávamos muito. Foi naquele momento que realmente abrimos os olhos para ver que inferno que nós estávamos.

Por dias fiquei em pânico, todas as vezes que fechava meus olhos me vinha a cena daquela maldita noite... Para falar a verdade, até hoje vem... Minha namorada foi meu maior porto seguro. Não me pergunte como, mas ela não chegou a derramar uma lágrima sequer depois daquele incidente. Acredito que ela tenha ficado tão traumatizada que mais nada passava na cabeça dela. Apesar disso, ela foi a que mais me acalmou, não sei se por estar sempre calma, ou por cuidar de mim de uma forma tão carinhosa, como ninguém mais poderia naquela situação.

Desesperados e feridos, pegamos tudo que podíamos carregar e fomos para um dos pontos de encontro que os militares estavam auxiliando os civis. Não sei como, mas durante o percurso inteiro não nos deparamos com nada que colocasse nossas vidas em risco. Claro, um assalto aqui e ali já estava virando rotina, mas sempre dávamos um jeito de conseguir esconder comida em algum lugar antes dos roubos. Quando chegamos em um dos pontos de encontro, fomos jogados num ônibus lotado e levados para uma base subterrânea, como um abrigo antibombas. Ficamos por lá por uma ou duas semanas sem notícia nenhuma. Mal nos davam o que comer, mas a comida era o de menos. Não demorou mais de algumas semanas para aquele lugar encher. O fedor, barulho, fome, quase não conseguíamos dormir de tão apertado que ficávamos.

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