PREFÁCIO

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Prezo na imensidão só minha, vazia.
Conforme o dever, minha vida ainda é vida.
Ademais, vejo-a como uma pedra qualquer,
Atirada num lugar qualquer,
Rodeada de indagações indagadas.
Fecho os olhos e vejo um abismo em mim
Como um sumidouro,
Extinguindo-me toda vitalidade,
Se é, que ainda há.
Sinto o descompasso do meu coração
E a inutilidade que é
o seu vil funcionamento.
O barulho lá fora soa longe...
E em mim, soam ecos fúnebres:
Ópera da tristeza.
Os sonhos, enterrados a sete palmos
Em meu âmago, formigam-me a consciência.
Coexistem em mim, mas nego-os,
Tentando livrar-me da frustração,
Minha vizinha.
Ela apresentou-me a melancolia,
Tornamo-nos íntimos, amigos inseparáveis.
E amanhã, tendo feito o que não fiz hoje:
— As lágrimas escorreram já secas,
Em um semblante já plácido, por extremo.
Estarei eu, numa alcova, já não mais vazia:
Acompanhado das covardias, dos fracassos
E das desesperanças, eternamente!
— Quê fez minha alma fria?
Não mais sinto o descompasso angustiante,
Muito menos, o formigar...
Quê fiz eu de mim?
Livrei-me do que me tomava,
E tomei-me a mim mesmo.
Deparei-me com uma imensidão,
Ainda mais imensa, ainda mais fria, e vazia.
Fins sem meios, meios sem fins...

  — Esta carcaça que aprisiona minha alma, já está de partida. Sua ida não custará muito mais tempo; tenho que ser rápido, almas não escrevem, para isso teriam que ter um intermediário com pouquíssimos pecados, de bem com Deus, e isso eu acho impossível.

  Graças a este Deus que hoje creio, ainda tenho forças nas mãos e razão em dia, assim, mesmo com o restante do corpo debilitado em uma cama, sendo esmagado por uma dor descomunal e surrado pelo espelho que insiste em mostrar meu fracasso, continuo a escrever... Escrevendo, esqueço um pouco as dores e fujo do reflexo aterrorizante do espelho que me mostra a realidade que se diz minha: um jovem de 26 anos, que não mais tem cabelos, não mais tem músculos, não mais tem cor, não mais tem vida... Só a Deus.

  Dos meus olhos amarelados escorrem rios de lagrimas diariamente; em meu corpo flagelado escuta-se o ranger dos ossos a cada curto movimento; na minha cama de cabeceira, encontra-se os livros que mais gosto e que escolhi para ficarem ao meu lado até a ida: assim vivo à espera da morte. É estranho dizer isso mas ela seria a libertação desse martírio. Queria apenas, aproveitar esse curto tempo para registrar, com a beleza que é a literatura, minha vida e tudo que nela se passou. É o meu único e último desejo.

Destino CruelOnde histórias criam vida. Descubra agora