IV - QUARTO CAPÍTULO

22 8 4
                                    

O PESADELO

É uma tarde de outono. A grama verde, continua verde. As árvores, como sempre, estão a me olhar. O sol acaricia minha pele, prazerosamente. O sabiá canta a mesma canção, atrativa e triste, de sempre, e o vento o ajudava na propagação, e na entonação, o ranger dos balanços que já não são mais os mesmos: sua tinta perdera a cor e um manto de ferrugem cobria-os. Por alguns minutos, eu estava só, ou pensava estar. Senti o cheiro da saudade em alquimia com a nostalgia. Caí em mim, e perguntei-me o que faço ali, sem me importar com a resposta, pois há tempos que não me sentia como me sinto. Porém, além de tudo, não entendo tal vazio.

Automaticamente, tiro dos pés inchados e pálidos as alpercatas gastas. Lembrei-me do primeiro dia em que ali estive e fui repreendido por um homem de farda que me impedira de entrar calçado. Caminho a passos lentos, sentindo as carícias feitas pela grama no peito do pé. Recordo-me de como gostava de correr aqui com ele. A cada passo, uma nova lembrança. Chego até os balanços, que mesmo sem mais vento para os empurrar, rangiam. Escolho um, menos forrado de ferrugem, e sento devagar testando sua força. Balanço-me lentamente, olhando para o vai-vem do chão. Fecho os olhos e revivo o passado: -Mais forte, mais forte, não para. - Dizia eu com exorbitante alegria. Mas, ímpiamente, chega a tristeza quebratando aquele momento saudoso que me tomava em êxtase. Abro os olhos, pávido, levanto a vista e na sombra de uma árvore grande, está um homem de pé, parado, olhando para mim. Esforço-me para reconhecer, mas a distância e a penumbra que o cobria, impedem-me. Porém, o homem, por ora desconhecido, começa a andar em minha direção, mas, já próximo de se livrar da penumbra que o ofusca e impede-me de o conhecer, surge outro ser, do nada, e segura-o. O homem, sendo arrastado para o fundo daquela enorme árvore de novo, debate-se desesperadamente e grita: - Mayk, Mayk, Mayk! - Ao ouvir aquele clamor, logo conheço a voz: é meu pai!
Pulei do balanço atónito e corri, corri, corri o mais rápido que pude na direção da árvore, mas não saía do lugar, a cada passo a árvore ficava mais distante. Comecei a gritar por ele - pai! - Não me responde. Continuo correndo e gritando e chorando. O desespero descomedido aloja-se em meu peito, sangrando minha alma e fazendo meus olhos jorrarem toda agonia. Já não o via mais. Isso é torturante. Minha voz já distorce pela força e quantidade dos gritos. Minhas pernas não mais tem força. Cambaleio e caio. Caído, com os meus próprios gritos estremecendo a mente, vejo na escuridão dos meus olhos fechados, tudo rodar, e sinto um impulso imediato, abro assombrado os olhos e logo percebo um novo chão, mas, familiar. Não demoro a perceber que era meu chão, meu quarto, minha realidade.

Destino CruelOnde histórias criam vida. Descubra agora