I - PRIMEIRO CAPÍTULO

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  — Mais uma vez encontrava-me solitário em meu quarto. Desde então, passava nele a maior parte do dia, só nele podia transgredir meus pensamentos bipolares e refurgiar-me do mundo umbroso que infeta ódio e ambição nos que nele permeiam.

  Pensava ser depressivo. Só em meu quarto sentia-me seguro, na maioria das vezes, muito só, mas tinha a solidão como amiga, já que passava a maior parte do tempo com ela que me abraçava e confortava-me a alma. Não era normal, nunca fui, assustava a minha mãe em dizer que a solidão é confortável e acolhedora, mas é isso que sentia quando estava só.

  Meu quarto era pequeno, as paredes eram ásperas de cor amarela, e nelas estavam dependuradas algumas fotos da família, pensamentos meus e de alguns pensadores que eu achava serem importantes; recostada a parede, ficava minha cama de cabeceira, sempre com uma garrafa de café bem quente e um sagrado caderno com meus paradigmas, minhas tristezas e poucas alegrias, pouquíssimas. Ao lado esquerdo da cama de cabeceira havia uma pequena janela de madeira com detalhes de vidro fumê, no qual, iluminava o quarto, contudo, às vezes eu tinha a sensação que era observado; também, nela eu costumava olhar a vizinhança toda, mas com o passar do tempo, prefiri não os olhar mais, pois, quanto mais observava o comportamento do ser humano, mais envergonhava-me de ser um.

  Nem sempre fui assim: isolado, revoltado, triste, depressivo, nostálgico, saudoso, enfim... Infeliz. Eu era um garoto normal: alto com cabelos pretos e olhos escuros que espelhavam minha felicidade quando estava ao lado de minha família. Eu brincava, sorria, amava a vida, a vida amava-me, era tudo belo, valia a pena viver... Mas, minha alegria durou tão pouco. Confinei-me: não sorria, não brincava, não dormia, pouco falava e tristonho curtia minha solidão em quatro paredes amarelas, que logo pintei-as de preto que coincidia, no momento, com minha alma.

  Raramente saía do meu quarto, só para algumas necessidades básicas. Minha mãe costumava passar para perguntar se eu já tinha comido, sempre dizia que sim, mas não andava alimentando-me muito bem: só comia alguns biscoitos com meu inigualável café preto. No entanto, a única coisa que me saciava realmente, era um prato farto de imaginação, era o que me sustentava constantemente; imaginava intensamente como tudo poderia ser melhor com eles ainda aqui ao meu Lado: ela pedindo para brincar e ele orientando-me em tudo, com seus valorosos conselhos morais. Se eles estivessem aqui, eu não entraria nesse mundo sombrio e obsoleto, sobrevivendo em extremo desprazer ao lado da insonia e da solidão.

  — A insonia consumia-me, mas preferia assim, temia dormir e ter pesadelos: reviver toda aquela cena irreal que ainda perturba-me, seria horrendo. Carregava em mim, uma suposta culpa: — será que foi algo que eu disse, ou que fiz, será que o chatiei bastante para tal? — E entre essas autoindagações e pensamentos deturpadores, mesmo sem querer, com uma angústia no peito cravada como uma faca, relembrava daquela noite horrível que fui até o porão por escutar um ruído estranho como de um balanço enferrujado em movimentos de vai-vem.
  — Saí a passos lentos e já senti um aperto no peito inexplicável. O coração está batendo descompassado em uma velocidade anormal, o suor frio escorre em meu rosto já sem cor e todo esse suspense sufoca-me a alma. Abro a porta e ouço com mais clareza o estranho som que ecoa naquele lugar fechado. Está escuro. Desço as escadas com cuidado e tento ouvir de onde vem esse som aterrorizante; antes de chegar até o fim da escada, olho, por instinto, para o fundo da mesma, onde percebo uma coisa dependurada ao teto, e com muito medo, mas movido pela curiosidade, aproximo-me para ver o que é. Não demora e eu percebo que era um corpo. logo fiquei pasmo, mas meu desespero extremo veio ao perceber que este corpo, aparentemente sem vida, com língua exposta e olhos esbugalhados, é ele... Não acredito!
  Meu coração para, meu corpo gela, minha vida passa diante dos meus olhos por alguns segundos... ("todos nossos momentos felizes") Fiquei parado estarrecido, olhando a imagem que parece tão surreal, mas que me fez sentir estar caindo em um buraco sem fim. E ao sair do torpor que me tomou por alguns segundos, o reencontro com a realidade leva-me a soltar um grito tão alto e desesperante que chega a acordar todos os vizinhos.

  Paro de escrever, pois já enxarcava meu caderno de lágrimas. — Faz muito tempo, porém, lembro de tudo come se fosse ontem, infelizmente. Tento incansávelmente esquecer de tudo, mas existe uma dúvida que muito me atormenta: — por que ele fez isso? Não fazia sentindo algum, era um homem íntegro e feliz, que amava e era amado.

  — QUEM SÃO ELES?

   Acho que vocês estão perguntando-se: —quem são estas pessoas que ele tanto lastima a falta? — É o que irei revelar agora.
  Um é meu pai, infelizmente, o corpo que achei sem vida dependurado numa corda. A outra é minha irmã que sumiu logo após essa fatalidade.

   Meu pai, Olavo, era um homem rico e feliz. Tinha a estatura baixa com 1.60m, por aí; os cabelos eram poucos; (quase careca) os olhos escuros e a sua maior alegria era quando via a família reunida; tinha uma barriga saliente, na verdade, ele era meio obeso e sempre sorrindo retrucava: — É excesso de fofura. — Sempre foi bem humorado e dizia que foi o trabalho que o deixou assim, já que não tinha tempo para nada. Mas, apesar do trabalho estressante, não deixava de dar atenção a família, era o seu bem mais precioso.

  Minha irmã, Jenni, tinha apenas cinco anos, de cor parda, tinha cabelos cacheados cor de mel e olhos grandes cor do céu; era uma gracinha. Eu adorava quando ela dizia: — Mayk, vamos brincar? — Aquelas palavrinhas mal formadas e aquele jeitinho único de falar meu nome, eram como estar numa montanha sentindo a carícia da brisa e a paz que a natureza nos remete. Estar com ela e sentir a pureza que havia em sua alma, não tinha valor. Fazer-lá sorrir era minha missão de cada dia, pois, tinha um sorriso lindo e contagiante que trasnpassava sua inocência. Tinha uma esperteza e uma curiosidade descomunal; nunca estava quieta num lugar, e perguntava mais que a boca, notava quando alguém estava triste, e logo, com gracinhas intencionais, fazia qualquer um sorrir. Era um anjo... Sinto muito a sua falta, cada sorriso, cada gesto, cada olhar... Estão eternizados em minha memória. Nunca esquecerei de nenhum segundo que eles estiveram ao meu lado.

  Devido a alguns pensamentos maliciosos que perpassam numa mente não mais sã, irei escrever diariamente, como cartas conficionarias de uma inquirição informal.
  Eu já escrevia, muito! Sempre amei ler e escrever. Tenho textos que escrevi logo após a morte de meu pai e o sumiço de minha irmã, neles estão minhas suspeitas, a descrição fiel de cada dia pós os estranhos acontecimentos. Estão em um baú que herdei de meu pai e irão compor essa obra.

  Então, quiçá, quando eu estiver nos últimos suspiros, porém lúcido, verei tudo que um dia eu pensei, tudo que um dia angustiou-me, tudo que um dia inquietou-me e, levou-me a sonhar exasperado; tudo que em mim se explanou, tudo que ficou claro, claro que, não me livrou de todas as incertezas que permeiavam meus pensamentos, mas livrou-me de algumas palpitações, algumas certezas incertas que me atormentaram por anos. E neste lento e frio dia, sentirei tua presença, sussurrando em meu ímpio ouvido: — Tu viveu uma vida que valeu a pena ser vivida, pois, completou tua missão em uma curta passagem por um finito, e nesse finito, debateu-se com prazeres que o saciava demasiadamente, e com desprazeres que o atormentou muito mais, mesmo assim, os indagou; abriu os olhos na escuridão torporosa e incessante, enxergou em um nada um tudo, e o refletiu, e o praticou, e o propagou... Palavras, palavras, criticadas como verdade, seu nome será lembrado, porém, sua verdade indagada e investigada, para enfim, darem um fim a tudo.

Destino CruelOnde histórias criam vida. Descubra agora