Tinha sido uma jogada desesperada, mas vencera. Ela estava cara a cara com o misterioso Mercador de Sonhos, o proprietário secreto do jardim dos prazeres aos exóticos de Londres. Madeline sabia muito bem que tinha assumido um risco enorme deixando transparecer que conhecia a identidade dele. Ele tinha bons motivos para se preocupar, ela pensou. Vivia nos altos círculos da alta sociedade. Estava na lista de convidados de todas as anfitriãs mais importantes da cidade, e era membro de todos os melhores clubes. Mas a sua fortuna não poderia protegê-lo do desastre social que seria a sociedade descobrir que havia admitido em sua fileiras mais exclusivas um cavalheiro que lidava com um certo tipo de comércio.
Tinha de reconhecer que ele teve um desempenho audacioso. Na verdade, Hunt elaborou para si um papel digno do grande Edmund Kean. Consegui mante sua identidade como Mercador de Sonhos em segredo. Ninguém pensava em questionar a origem de sua fortuna. Ele era um cavalheiro, afinal de contas. Cavalheiros não discutiam tais assuntos, a menos que se tornasse óbvio que um homem está completamente sem dinheiro, e neste cado seria alvo de desprezo e de muito falatório malicioso. Mais de um homem que tinha posto uma pistola na cabeça para não ter de enfrentar o escândalo da ruína financeira.
Não tinha como escapar. Tinha praticamente chantageado Hunt para forçá-lo a ajudá-la aquela noite, mas não teve escolha. Certamente teria pagar um preço. Artemis Hunt era um mestre Vanza, um dos cavalheiros mais habilidosos no estudo das artes antigas. Tais homens costumavam ser muito reservados por natureza.
Hunt tinha se esforçado sobremaneira para ocultar seu passado Vanda - uma jogada realmente sinistra. Diferente do fato de ser proprietário dos Pavilhões do Sonho, a participação na Sociedade Vanzagariana não o prejudicaria nas rodas sociais. Afinal, apenas cavalheiros estudavam Vanza.
No entanto, ele insistia em fazer mistério. Isto não um bom sinal.
De acordo com a sua experiência, a maioria doa membros da Sociedade Vanzagariana consistia de lunáticos inofensivos. Outros Não passavam de excêntricos entusiásticos. Mas alguns eram completamente loucos. E uns realmente perigosos. Ela começava a acreditar que Artemis Hunt podia muito bem pertencer a última categoria. Quando os negócios daquela noite terminassem, ela poderia ter de enfrentar uma série de problemas novos.
Como se já não tivesse bastante coisa com que se ocupar. Por outro lado, dada a sua dificuldade à noite, podia muito muito bem continuar se ocupando, ela pensou sombriamente.
Sentiu um calafrio. Percebeu que estava muito consciente do fato dr Hunt parecer ocupar muito espaço no interior da pequena carruagem. No todo ele não era tão corpulento quanto o seu cocheiro, Latimer mas seu ombros possuíam uma largura impressionante e ele tinha uma espontaneidade lânguida que perturbava os sentidos dela fe uma forma estranha, que não consegue explicar. A inteligência atenta nos olhos dele só servia para acentuar aquela sensação inquietante.
Ela descobriu que, apesar de tudo que sabia a respeito de Artemis Hunt, estava fascinada por ele.
Arrumou a capa mais apertada em volta do corpo. Não seja tola, pensou. A última coisa que queria na vida era se envolver com outro membro da Sociedade Vanzagariana.
Mas era tarde de mais para mudar de idéia. Tinha tomado sua decisão. Agora precisava continuar com seu plano. A vida de Nellie podia depender daquela jogada ousada.
A carruagem parou e atrapalhou aqueles pensamentos preocupantes. Artemis estendeu o braço e abaixou a chama da lamparina da carruagem. Então segurou a cortina e puxou-a para o lado. Ela ficou observando, hipnotizada pelo poder controlado dos movimentos dele, enquanto ele espiava a escuridão da noite.
- Bem, madame, chegou ao portão oeste. Como pode ver, está bastante movimentado, mesmo a essa hora. Não posso acreditar que uma jovem possa ser levada à força numa carruagem na frente de toda essa gente. A não ser que ela queira ser levada embora.
Madeline se inclinou para a frente para examinar a cena. Era tudo iluminado por inúmeras lanternas coloridas. O baixo preço dos ingressos tornava possível que pessoas de todas as classes tivessem uma noite de entretenimento dentro dos Pavilhões do Sonho. Damas e cavalheiros, pessoas do campo, lojistas, aprendizes criadas, lacaios almofadinhas, oficiais militares, libertinos e vagabundos - todos entravam e saiam pelos portões bem iluminados.
Hunt tinha razão, ela pensou. Havia muitas pessoas e veículos nas redondezas. Teria sido difícil uma mulher ser arrastada à forca para uma carruagem sem que alguém notasse.
-- O rapto não aconteceu b na frente do portão - disse Madeline. - Alice contou que ela e Nellie estavam paradas na entrada de uma ruazinha próxima, a espera de carruagem que mandei para pegá-las, quando os bandidos apareceram - ela observou a entrada de uma rua estreita. - Ela devia estar se referindo àquela esquina lá, onde estão aqueles rapazes flanando.
- Humm.
O ceticismo dele era palpável. Madeline olhou para ele, assustada. Se ele não levasse o assunto a sério, não conseguiriam nada aquela noite. Ela sabia que o tempo estava se esgotando.
- Senhor, precisamos nos apressar. Se não formos rápidos, Nellie desaparecerá nos bordéis. Será impossível encontrá-la.
Artemis deixou a cortina cobrir a janela outra vez. Pôs a mão na maçaneta da porta.
-- Fique aqui. Volto em pouco minutos.
Ela chegou para a frente depressa.
-- Aonde o senhor vai?
-- Acalme-se, Sra. Deveridge. Não tenho intenção nenhuma de abandonar a busca. Voltarei assim que investigar algumas coisas.
Ele desceu da carruagem com um pulo ágil e fechou a porta antes que Madeline perguntasse mais detalhes. Irritada e desanimada com o modo com que ele tinha assumido o controle, ficou observando enquanto ele andava na direção da rua escura.
Ela viu Hunt arrumar o sobretudo e o chapéu e ficou espantada com o resultado. Com poucos passos, ele tinha alterado sua aparência por completo.
Apesar de não aparecer mais um cavalheiro que acabava de chegar do seu clube, ele ainda se movimentava com uma segurança natural que ela reconheceu imediatamente. Era tão parecido com a postura de Renwick que Madeline estremeceu. Associaria para sempre aqueles passos furtido com os praticantes mais habilidosos das artes marciais Vanza. pensou mais uma vez se não estava cometendo um erro grave.
Pare com isso, ela pensou. Você sabia o que estava fazendo quando enviou a mensagem para o clube dele. Queria a ajuda dele e agora a tem, seja qual for a conseqüência disto.
O lado positivo, em termos da aparência física, Hunt não se parecia em nada com seu falecido marido. Por alguma razão, considerava este fato tranqüilizador. Com seus olhos azuis, cabelo louro e feições romanticamente belas, Renwick era mais angelical do que anjos de cachos dourados nas pinturas dos grandes artistas.
Hunt, por outro lado, podia posar como o diabo em pessoa.
Não eram só o seu cabelo quase negro, olhos verdes e o rosto perfeitamente ascético que davam a impressão de profundezas sombrias e insondadas. Era a expressa fria e segura em seus olhos que provocava arrepios gelados nos nervos. Aquele era um homem que havia explorado a periferia do inferno. Diferente de Renwick, que encantava todas as pessoas que se aproximavam dele com a facilidade de um feiticeiro, Hunt parecia ser tão perigoso quanto sem dúvida devia ser.
Enquanto ela observava, ele desapareceu nas ondas de escuridão que cercavam a ilha de luzes brilhantes que eram os Pavilhões do Sonho.
Latimer desceu da boléia. Apareceu na janela, o rosto largo crivado de ansiedade.
-- Eu não estou gostando disso, madame - disse ele. - Devia ter ido para a rua Boa tentar encontrar um informante.
-- Talvez tenha razão, mas é tarde demais para tentar isso agora. Já assumi o compromisso de seguir esse caminho. Só posso esperar... - ela parou de falar quando Hunt se materializou atrás de Latimer. - Ah, o senhor voltou. Estávamos começando a ficar preocupados.
-- Esse é John Pequeno - Artemis indicou um rapaz magro, musculoso e desarrumado, que não devia ter mais de dez ou onze anos. - Ele irá nos acompanhar.
Madeline franziu a deste olhando para John Pequeno.
-- Já é tarde. Não devia estar na cama, meu jovem?
John Pequeno levantou o queixo num inconfundível gesto de orgulho profundamente ferido. Deu uma cusparada na calçada.
-- Não trabalho nessa linha de negócios, madame. Sou um comerciante respeitável.
Madeline olhou espantada para ele.
-- Perdão? O que vende?
-- Informação - disse John Pequeno alegremente. Sou um dos Olhos e Ouvidos de Zachary.
-- Quem é Zachary?
-- Zachary trabalha pra mim - disse Artemis, cortando pela raiz o que obviamente acabaria sendo imã explicação comprometedora. - John Pequeno, apresento-lhe a Sra. Deveridge.
John Pequeno deu um sorriso largo, tirou o boné rapidamente e fez uma mesura surpreentemente graciosa para Madeline.
-- Ao seu dispor, madame.
Madeline inclinou a cabeça ,cumprimentando o rapaz.
-- É um prazer, John Pequeno, espero que possa noa ajudar.
-- Farei o melhor possível, madame.
-- Já chega, não podemos mais perder tempo - Artemis olhou para Latimer, pondo a maçaneta da porta da carruagem. - Depressa, homem. John Pequeno indicará o caminho. Vamos para uma taverna na Blister Lane. A Yellow-Eyed Dog. Você conhece?
-- A taverna não, senhor, mas conheço o Blister Lane - Latimer fechau a cara. -- Foi Lara lá que os bandidos levaram minha Nellie?
-- Foi o que John Pequeno me disse. Ele irá, com você na boléia - Artemis abriu a porta e entrou na carruagem. - Vamos logo.
Latimer pulou de volta para o seu banco. Jonh Pequeno subiu atrás dele. A carruagem começou a andar antes de Artemis fechar a porta.
-- Seu cocheiro certamente está aflito para encontrar Nellie - ele observou depois que sentou.
-- Latimer e Nellie eram namorados - explicou Madeline. - Pretendem se casar logo - ela tentou decifrar a expressão no rosto dele. - Como foi que descobriu que Nellie foi levada para essa taverna?
-- John Pequeno viu tudo.
Ela arregalou os olhos, atômica.
-- E por que cargas d'água ele não comunicou o crime?
-- Conforme ele disse, é um negociante. Não pode oferecer gratuitamente sua mercadoria. Estava esperando Zachary fazer sua rondas habituais para coletar informações, o que acabaria chegando a mim pela manhã. Mas apareci esta noite, por isso ele fez a venda para mim. Ele sabe que pode confiar em mim para pagar a parte de Zachary.
-- Meu Deus, senhor, está me dizendo que emprega toda uma rede de informantes como John Penqueno?
Ele deu de ombros.
-- Pago salário muito mais altos do que os receptores para quem a maioria deles costumavam vender relógios ou candelabros furtados. E quando Zachary e seus Olhos e Ouvidos negociam comigo, eles não se arriscam a serem trancafiados na prisão como acontecia quando trabalhavam em suas carreiras anteriores.
-- Não estou entendendo. Por que pagaria pelo tipo de rumores e fofocas que uma gangue de jovens rufiões pode colecionar pelas ruas?
-- A senhora ficaria espantada com o que se descobre com essas fontes.
Ela bufou delicadamente sinal de desprezo.
-- Não duvido que a informação seja mesmo espantosa. Mas por que um cavalheiro na sua posição ia querer saber dessas coisas?
Ele não respondeu. Ficou olhando para ela. Com um brilho de riso sem alegria nos olhos, recolheu-se para algum lugar sombrio dentro dele mesmo.
O que ela esperava? Madeline pensou. Devia ter advinhado que ele seria um excêntrico a toda prova.
Ela pigarreou.
-- Não quis ofendê-lo, senhor. Mas tudo isso parece um pouco... bem... incomum.
-- Muito antigo, complexo e confidencial, quer dizer? - a voz de Artemis era cortes demais. - Muito Vanza?
É melhor mudar o assunto, pensou Madeline.
-- Onde está esse Zachary esta noite?
-- Ele é um jovem um pouco mais velho - disse Artemis secamente. - Está cortejando sua jovem dama esta noite. Ela trabalha numa chapelaria. Esta é sua noite de folga. Ele sentirá muito ter perdido a aventura.
-- Bom, pelo menos sabemos o que aconteceu. Eu disse que a Nellie não tinha fugido com homem algum.
-- Disse mesmo. Tem sempre tanta presa em lembrar às pessoas quando tem razão em algum assunto?
-- Não me agrada ficar com rodeios, senhor. Não quando se trata de alguma coisa tão importante quanto a segurança de uma jovem - ela franziu a testa. - Como foi que John Pequeno descobriu o lugar para onde levaram Nellie?
-- Ele seguiu a carruagem a pé. Contou-me que não foi difícil, porque o trânsito estava muito lento devido o nevoeiro - Artemis sorriu c tristeza. - John Pequeno é um rapaz inteligente. Ele sabia que o rapto de uma jovem perto de uma das entradas dos Pavilhões era o tipo de informação pela qual eu pagaria muito bem.
-- Acho que de fato deve querer estar a par de tal atividade criminosa ocorrendo nas proximidades do local do seu negócio. Afinal de contas, como proprietário dos pavilhões, tem uma certa responsabilidade.
-- Tem razão - Artemis parecia estar se recolhendo ainda mais na profundezas sombrias. - Não posso me dar ao luxo de ter esse tipo de coisa acontecendo na vizinhança. É mau para os negócios.
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Perversa Viúva
RomanceMadeline Deveridge sabe que sua reputação não é das melhores. Conhece bem os boatos que a acusam de ter assassinado o próprio marido e ocultado o crime. No momento, porém, ela tem um problema muito mais sério do que ser chamada de "perversa viúva"...